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03/Aug/2005 - 18:14
SAN JOSÉ, Estados Unidos - Os caminhos da TV digital poderão mudar radicalmente daqui para frente, ameaçados pela evolução tecnológica acelerada e por um modelo de negócio inadequado. A mudança tecnológica afeta diretamente o futuro dos três padrões mais importantes de TV digital do mundo - o norte-americano, o europeu e o japonês - condenados à obsolescência antes mesmo de decolarem comercialmente.
Mas, a nova tecnologia fortalece a esperança de popularização da TV digital aberta e de seus mais desejados subprodutos: mobilidade e interatividade.
Há cerca de 30 anos, o mundo vem tentando criar uma nova geração de TV. Por volta de 1974, depois de ter investido mais de US$ 4 bilhões, a televisão estatal japonesa NHK, a Sony e a NEC desenvolveram um sofisticado sistema de TV de alta definição, denominado Muse. Mas esse sistema era analógico, caro e não contava com o apoio da indústria européia e de parte da norte-americana.
TV-IP vem aí - A partir dos anos 1980, a Europa, os Estados Unidos e o Japão investiram bilhões de dólares no desenvolvimento da TV digital, visando não apenas à qualidade superior das imagens de alta definição (High Definition TV ou HDTV), como também à interatividade. Desse esforço, resultaram os padrões norte-americano (ATSC de Advanced Television System Committee), europeu (DVB de Digital Video Broadcasting) e japonês (ISDB de Interactive System Digital Broadcasting).
Mas a evolução tecnológica cria surpresas desconcertantes. Conforme declarou a esta coluna o vice-presidente e executivo principal de tecnologia da Microsoft Corp., Craig Mundie, (Estado, 09-06-2004) o caminho seguido pelos Estados Unidos foi "uma escolha ruim, quanto à arquitetura para difusão terrestre (em broadcasting) de TV digital", considerando "o melhor meio de distribuição de sinais de televisão o de pacotes de vídeo (packetized video), seja através da atmosfera ou via cabo."
Essa avaliação crítica atinge não apenas o padrão norte-americano, mas, também, o europeu e o japonês, pois, em sua opinião, o caminho para se evoluir rumo à TV digital deve ser o da comutação e transmissão de pacotes, solução que economiza 80% do espectro de freqüências, cuja preservação é estratégica para a comunicação móvel microcelular do futuro.
Novos rumos - Poucos especialistas poderiam supor que já estivéssemos tão próximos da viabilidade dessas formas de comutação por pacotes e protocolo IP (de Internet Protocol), na tecnologia denominada Video over IP, ou de formatos de compressão digital como o Super High Digital Subscriber Line (SDSL) em suas diversas variantes, na distribuição dos sinais de TV digital sobre linhas telefônicas comuns.
Diversos palestrantes do evento Cable 2004, realizado em maio em New Orleans, analisaram os maiores desafios e as dificuldades de implantação da TV digital em broadcasting, mostrando que a digitalização nos Estados Unidos se concentra prioritariamente nas redes de TV paga, tanto para a transmissão de imagens de TV de alta definição, como para definição melhorada (enhanced definition).
Negócio difícil - Outro desafio é o modelo de negócios adotado no caso da TV digital, nos Estados Unidos, onde mais de 90% dos domicílios dispõem de alguma forma de TV a cabo ou de TV por assinatura.
Como ocorre na Europa e no Japão, a penetração da TV digital aberta (terrestre ou broadcasting) norte-americana não alcança 5%. dos domicílios, depois de quase sete anos de sua introdução. Já a TV digital em sistemas fechados (pay TV, via cabo ou satélite) é muito diferente. Dos 108 milhões de domicílios norte-americanos com TV paga ou por assinatura, 40% deles já recebem TV digital, com enhanced definition, e apenas 22% com alta definição (HDTV).
Por mais surpreendente que pareça, o grande sucesso da digitalização nos sistemas de TV a cabo não está nas imagens de alta definição, pois a maioria dos usuários se diz satisfeita com as imagens digitais de definição melhorada ou mesmo com a definição convencional (standard definition). O que atrai mais assinantes é a interatividade e os novos serviços, tais como video on demand (VoD), via gravação digital em sistemas de Personal Video Recording (PVR), e novas formas de comércio eletrônico.
E o Brasil? - Uma comissão criada recentemente pelo Ministério das Comunicações tem a incumbência de definir as linhas gerais de um "sistema de TV digital brasileiro", sugerindo ao governo uma política nacional nessa área. O grande risco desse trabalho é a eterna tentação de se criar algum tipo de reserva de mercado, com padrões próprios, como aconteceu há 30 anos com padrão PAL-M de nossa TV em cores.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) vem protelando desde o ano 2000 a escolha do padrão tecnológico a ser adotado na TV digital em broadcasting no Brasil. Diante da experiência mundial e das novas tendências tecnológicas, esse atraso, talvez, tenha sido melhor para o Brasil.
Assim, poucos especialistas brasileiros julgam que esta seja a hora certa para a escolha do padrão tecnológico ou mesmo para a definição do modelo de negócios, embora o País deva investir adequadamente em pesquisa e, principalmente, no conhecimento de seu mercado.
Para o ex-presidente da Anatel, Renato Guerreiro, o melhor que temos a fazer é acompanhar tudo que acontece no mundo, sem pressa. "Só teremos a ganhar com essa espera" - diz Guerreiro.
Ethevaldo Siqueira - Economia [13/06/2004]
esiqueira@telequest.com.br
Fonte: Estadão
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