segunda-feira, agosto 29, 2005

Deu no Estadão: A TV que pula para fora da tela




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Num laboratório de óptica sem nada de especial, enfiado num anônimo conjunto de prédios de escritório no Vale San Fernando, os hackers de fóton do Deep Light estão me mostrando o futuro da mídia. O objeto da atenção deles é uma pequena tela na qual um gladiador animado está tendo um embate com um monstro dotado de chifres num cenário tipo Coliseu.

Mas não é uma imagem de quadrinhos plana - é todo um espaço em três dimensões.


Os combatentes se enfrentam a poucos centímetros dos meus olhos de forma tão convincente que tive um impulso de pegá-los. E eu não estou usando aqueles esquisitos óculos de papelão vermelhos e azuis. Estou vendo um imagem tridimensional a olho nu. Meu anfitrião, o co-fundador da Deep Light, Dan Mapes, gira sobre os calcanhares, rindo de contentamento. “É legal, não é?” Sim, é legal. Os televisores comuns têm uma resolução de 500 linhas. A maioria das telas de alta definição tem alcance de 1.050 linhas. O HD3D (tridimensional de alta definição) chega a 1.280 linhas – o que significa uma imagem com qualidade superior à de qualquer outro televisor disponível hoje em dia, com uma impressão convincente da terceira dimensão.

E eis a parte psicodélica da nova tela que a Deep Light planeja lançar na feira Consumer Eletronics, em Las Vegas: múltiplas “lâminas” de vídeo permitem que uma tela mostre diferentes programas a diferentes espectadores ao mesmo tempo.

Imagine o que isso pode fazer na sua sala de estar. Seu filho esparramado no chão, respingando de sangue as paredes virtuais do Quake 3D, enquanto você, sentado no sofá, assiste ao noticiário e sua esposa ao lado conversa com amigos numa sala de bate-papo virtual – tudo na mesma TV, tudo ao mesmo tempo e tudo em três dimensões.

Basta inclinar-se alguns centímetros para a direita e as últimas notícias do pregão da Bolsa de Valores se transformam num bate-papo tridimensional com o casal que esteve na sua casa para jantar uma noite dessas. Incline-se na direção oposta e verá Júnior explodindo um zumbi. E algo parecido está acontecendo na casa do vizinho. E em metade do mundo.

Certamente que uma grande quantidade de obstáculos técnicos e financeiros se interpõem entre os pioneiros das 3D de hoje e o futuro. Mas Mapes acha que a Deep Light tem uma enorme tendência a seu favor: a evolução da humanidade na direção de uma representação da realidade mais sofisticada.

Nós enxergamos o mundo em três dimensões, mas durante a maior parte da História só temos sido capazes de retratá-lo em duas. Até recentemente ninguém tinha surgido com uma solução melhor para este problema do que um par de óculos imbecis.

Quando o Rover enviou imagens de Marte, os cientistas da Nasa as analisaram usando óculos muito parecidos com aqueles que as platéias de cinema usaram na década de 1950 para assistir It Came From Outer Space (Veio do Espaço).

Nos domínios da indústria, isso vem mudando, pois o que é conhecido como formação da imagem estereoscópica tornou-se um grande negócio que envolve desde que pesquisadores de medicamentos fazem mapeamento molecular a projetistas de carros. Culturalmente, porém, continua sendo uma novidade confinada a um ocasional passeio num parque temático. Filmes comerciais recentes como As aventuras de Shark Boy e Lava Girl em 3-D chamaram a atenção para isso um pouco, mas eles ainda exigem os óculos.

Mas a revolução de alta tecnologia finalmente faz o entretenimento em três dimensões passar para o próximo estágio. A Sharp vendeu 3 milhões de celulares tridimensionais no Japão desde 2003 e acaba de lançar um laptop com tela que alterna duas e três dimensões.

O governo da Coréia do Sul anunciou recentemente um ambicioso projeto chamado “Visão 3D em 2010” para tornar a televisão estereoscópica o padrão mundial dentro de cinco anos, e uma série de empresas estão apressando a Deep Light para encaixar as peças desse quebra-cabeça. Em abril, a Toshiba anunciou uma nova tecnologia de exibição para telas de TV tridimensionais. “A televisão é o Santo Graal das três dimensões”, diz Chris Chinnock, presidente da Insight Media.

Nesse caso, o Lancelot das três dimensões pode ser um professor da Cambridge University chamado Adrian Travis. No outono de 1986, quando era um estudante, Travis teve uma idéia que chamou multiplexação do tempo. Suponha que você vai passar uma imagem através de uma lente e abrir um obturador quando ela emergir para guiar a imagem para um ângulo preciso.

E suponha que você possa fazer isso com 30 imagens por segundo através de dez ângulos diferentes. Como se estivesse embaralhando cartas, você irradia dez ângulos da sua imagem de forma tão veloz que, independentemente do lugar onde o espectador estiver em relação à tela, cada um de seus olhos verá seu próprio ângulo de vídeo ao vivo. Voilá: o 3D natural.

O problema foi a velocidade. Os filmes precisam de 24 quadros por segundo para que seu cérebro seja enganado e veja movimento. A multiplexação do tempo precisava de 300 quadros e não existia um dispositivo para fazer isso.Travis, então, simplesmente decidiu que ele mesmo construiria um. “Pensei que fosse um esquema de ficar rico depressa”, conta ele rindo.

“Eu ganharia uma fortuna e depois decidiria o que realmente queria fazer na vida”. Em vez disso, seguiu-se o curso de tantas outras descobertas de alta tecnologia, uma longa sucessão de investidores reduzindo gradualmente suas contribuições até que o rastro das licenças e sublicenças foi da Europa para a Ásia e daí para Los Angeles e Dan Mapes.

Mapes é um talento da alta tecnologia que vem pregando o evangelho de mundos virtuais desde a década de 1960. Há três anos, estava em seu laboratório em Santa Monica, Califórnia, quando um ex-empregado que então trabalhava na Coréia lhe telefonou falando com entusiasmo sobre a multiplexação do tempo. Assim, Mapes foi para um laboratório militar da Northrop Grumman no Vale San Fernando, onde a mais recente caixa de demonstração de Travis, uma gigante de 50 polegadas (1,25 metro), estava lá, juntando pó.

E o que viu, diz ele, mudou seus planos de carreira imediatamente. Ele e dois sócios, Paul Yoon e Robert Kory, gastaram US$ 2 milhões e passaram três anos juntando todas as patentes e licenças pertinentes sob um guarda-chuva corporativo para construir seu primeiro HD3D (3D em alta definição).

A pequena empresa, que ainda está para contabilizar sua primeira venda de verdade a um fabricante, não tem garantia de vencer a corrida da 3D, mas a multiplexação do tempo, a única retroprojeção que dispensa os óculos até agora, pode oferecer uma vantagem em relação a competidores maiores.

A tela plana da Toshiba, por exemplo, alterna fileiras de pixels para gerar diferentes ângulos para cada olho para poder produzir um efeito tridimensional, mas ao custo da resolução da tela – 480 linhas em relação às 1.280 linhas da Deep Light. A Deep Light diz que os primeiros monitores de computador com 3D natural poderão ser lançados já neste inverno por cerca de US$ 5 mil, e os televisores em HD3D poderão estar disponíveis no próximo ano por US$ 10 mil – uma quantia que talvez não esteja fora de cogitação para os fanáticos por home theater. Esses preços poderão baixar quando a tecnologia for produzida em massa. É claro que tudo depende de a Deep Light encontrar fabricantes dispostos a licenciar sua tecnologia.

É quase certo que se passarão anos antes que alguém comece a fazer programas comuns de televisão em 3D, uma situação que sugere um típico problema do ovo e da galinha – por que as gigantes do hardware construiriam aparelhos de televisão em 3D se as estações de televisão não apresentam nada para seduzir os consumidores a comprá-los?

Porque, é o que esperam a Deep Light e seus concorrentes, a antiga programação bidimensional poderá ser reformulada para os novos aparelhos. “Podemos criar sinteticamente os dados em três dimensões que são perdidos quando filmamos com uma câmera de duas dimensões”, diz Chris Yewdall, diretor-presidente da Dynamic Digital Depth, uma empresa de tecnologia tridimensional de Santa Monica. O software da empresa no laptops 3D da Sharp permite que você assista DVDs comuns em três dimensões. Teoricamente, uma caixa semelhante conectada a um sistema HD3D poderia converter filmes assim que o mercado de monitores em 3D ganhar escala.

O Estado de São Paulo - Editorias - //08/08/2005


Fonte: Estadão


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