domingo, agosto 21, 2005

Software livre no Governo Lula: do discurso a prática



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Em meio à polêmica sobre quantidade de verba que deveria ser destinadas a viabilizar a implantação do software livre no governo federal, que contrapôs o ITI e a secretaria de TI do Ministério do Planejamento e acabou levando à saída de Sérgio Amadeu do ITI, Branco aproveita para esclarecer sua posição sobre o assunto.

Para ele, os R$ 200 milhões demandados por Amadeu para política de adoção do código aberto são “fundamentais para passar do discurso à prática”.


Por Marcelo Branco

* Publicado originalmente no Baguete

Devido as recentes polêmicas e disputas dentro do governo em torno do software livre, achei por bem contribuir neste debate como ativista de software livre e como histórico militante do PT nesta área de tecnologia.

É bom lembrar, que todos os cargos da área de TI do governo foram indicados pela corrente majoritária que controla o partido da qual José Dirceu e Rogério Santanna fazem parte: ITI, SLTI, SERPRO, Dataprev, CEF, BB e Cobra.

Profissionais e quadros políticos das correntes minoritárias do partido, mesmo com experiência e capacidade comprovada, mas que não fazem parte do campo majoritário, estão fora do governo. As experiências na área de TI e software livre do governo Olívio Dutra, por exemplo, não foram contempladas para fazer parte do governo Lula. Então, é falso neste debate tentar vincular as indicações do ITI ao campo político do ex-ministro José Dirceu e colocar a SLTI como sendo de outro campo político... ambos, Rogério Santanna e Sérgio Amadeu foram indicados pelo campo político majoritário que controla o partido.

Eu estou tranqüilo neste debate pois não faço parte deste campo político e não me alinho automaticamente a nenhum dos lados (SLTI e ITI) nesta disputa interna dentro do governo. Minhas opiniões são independentes a partir da minha visão como profissional de TI, ativista de software livre e, até agora, militante do PT.

Eu não acho que a disputa em torno do orçamento seja motivo suficiente para a renuncia do Sérgio Amadeu. Nem acho que o ritmo das migrações esteja lento por causa do possível boicote da SLTI. Acho que as migrações nos ministérios não andaram no ritmo conforme o esperado por problemas de estratégia, planejamento e falta de experiência dos gestores do ITI responsáveis pela migração. Isso é normal, pois tudo foi novo neste processo e temos que aprender com nossos erros, acertos, uma boa dose de humildade e auto-critica.

Claro que um orçamento maior certamente daria mais velocidade as migrações. Tenho dúvidas também, se estes recursos deveriam ser lotados no ITI. Creio que o papel legítimo do ITI deve ser na orientação da política, pois dentro do governo eletrônico é o responsável pela câmara técnica de implementação de software livre, mas os recursos poderiam ser geridos pelos próprios Ministérios que estão em processo de migração, acompanhados de perto pelos gestores do ITI.

Mas tenho claro que, se o governo diz que é favorável a estimular um novo modelo de negócios para o setor de TI baseado no software livre e tem defendido esta posição no cenário internacional diante da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, este deveria ser coerente internamente e fazer a sua parte. O novo modêlo de negócios do software livre precisa ter sustentação econômica, isto é, não tem como sobreviver apenas do trabalho voluntário, no governo e na academia. Precisamos fortalecer e investir no setor produtivo privado para que a indústria do software livre crie novas empresas e gere emprego e renda. Esta é a chave do sucesso ou da derrota destas propostas inovadoras que o governo tem defendido na área de TI: criar e fortalecer o setor produtivo neste novo modelo de negócios.

Então, o debate sobre o orçamento para software livre vai muito mais além do que a velocidade na migração ou se 200 milhões é pouco ou muito para isso. Significa *o quanto* o governo está investindo, de fato, no novo modelo de negócios do software livre. Num orçamento anual de mais de 1 bilhão para a área de TI, 200 milhões para a política prioritária do governo (software livre) não é muito. Estes recursos farão muita falta para o estímulo do setor privado que aposta no software livre. É por isso que eu acho que os empresários nacionais deveriam se posicionar favorável ao orçamento de 200 milhões para migração e contra o corte proposto pelo Ministério do Planejamento.

Também sou favorável ao decreto que estimula o uso de software livre dentro do governo. Não é verdade que este decreto obrigue a utilizar só software livre. Ele é flexível e permite que o cargo máximo de cada órgão (Ministro ou Presidente de autarquias) autorize exceções baseadas em software proprietário, desde que justificadas tecnicamente.

A vantagem deste decreto é que ele inverte a lógica dos órgãos do governo na hora dos editais e das compras de software. Hoje os gestores pensam e elaboram os editais na lógica do software proprietário e o software livre fica sendo uma exceção. Com o decreto, os gestores públicos serão obrigados a pensar os editais e as compras de software na lógica do software livre e terão que justificar tecnicamente as possíveis exceções para o software proprietário com a responsabilização (canetaço) da autoridade máxima do órgão. É apenas uma questão de coerência.

Além disso, o decreto trás um componente importante para o estímulo da industria de software livre: todo software que o governo pagar para ser desenvolvido ou for desenvolvido pelo governo deverão ter o código fonte disponível para a sociedade. O reuso de parte destes códigos ou da totalidade dos produtos desenvolvidos com recursos públicos, não ficarão aprisionados dentro do governo. Seguindo a lógica do sucesso do software livre, retornarão ao público. Este compartilhamento do conhecimento tecnológico entre governo, setor privado, desenvolvedores e academia é fundamental para estimular o setor produtivo e gerar novas oportunidades para nossas empresas privadas, geração de emprego e renda.

Com isso tento deixar claro a minha posição, que não é de alinhamento ao ITI ou a SLTI do Ministério do Planejamento, mas a favor de darmos conseqüência prática a política defendida publicamente pelo governo.

Para que esta política não fique só no discurso, o decreto dando preferência ao uso de software livre no governo e os 200 milhões no orçamento são fundamentais.


Fonte: Baguete

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