quinta-feira, setembro 15, 2005

Extra-Oficial: Projeto de Decreto pelo Uso de Software Livre no Governo Brasileiro




Fonte:




Abaixo a provável redação (extra-oficial) do decreto que estimula o uso de software livre dentro do governo, que está aguardando aprovação do Presidente Lula. A demora e as divergências para aprovação deste decreto foram frutos das divergências que resultaram na saída do Sérgio Amadeu do ITI. Não temos, ainda, a versão oficial mas recebemos esta redação extra-oficial (em off) e resolvemos divulgar pela importância desta medida para o país e que conta com nosso apoio.


[1] Não é verdade que este decreto obrigue a utilizar só software livre. Ele é flexível e permite que o cargo máximo de cada órgão (Ministro ou Presidente de autarquias) autorize exceções baseadas em software proprietário, desde que justificadas tecnicamente.

A vantagem deste decreto é que ele inverte a lógica dos órgãos do governo na hora dos editais e das compras de software. Hoje os gestores pensam e elaboram os editais na lógica do software proprietário e o software livre fica sendo uma exceção. Com o decreto, os gestores públicos serão obrigados a pensar os editais e as compras de software na lógica do software livre e terão que justificar tecnicamente as possíveis exceções para o software proprietário com a responsabilização (canetaço) da autoridade máxima do órgão. É apenas uma questão de coerência.

Além disso, o decreto trás um componente importante para o estímulo da industria de software livre: todo software que o governo pagar para ser desenvolvido ou for desenvolvido pelo governo deverão ter o código fonte disponível para a sociedade. O reuso de parte destes códigos ou da totalidade dos produtos desenvolvidos com recursos públicos, não ficarão aprisionados dentro do governo. Seguindo a lógica do sucesso do software livre, retornarão ao público. Este compartilhamento do conhecimento tecnológico entre governo, setor privado, desenvolvedores e academia é fundamental para estimular o setor produtivo e gerar novas oportunidades para nossas empresas privadas, geração de emprego e renda.

[1]Redação do portal do PSL-Brasil

Projeto de Decreto - Extra-oficial

DECRETO Nº ...., DE .... DE FEVEREIRO DE 2005

Estabelece diretrizes aplicáveis às contratações, pela Administração Pública Federal, de licenças de direitos sobre programas de computador das modalidades que especifica e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, a), e considerando o disposto nos arts. 1º, caput e incisos I a IV, 3º, incisos, 4º, incisos I a IV e IX, 5º, caput e incisos IX, XIII, XXIII, XXXIII e LX, 37, caput e inciso XXI, 170, caput e incisos I, III, IV, VIII, 174, caput, 193, 205, 206, incisos II e III, 215, caput, 216, caput, incisos I a III, e §§1º a 3º, 218, caput e §§2º e 3º, 219 e 220, caput, todos da Constituição, e ainda o disposto nos arts. 2º, caput e incisos I, IV a VII e X e 4º, incisos I, IV e V, da Lei nº 7.232, de 29 de outubro de 1984,

DECRETA:

Art. 1º. A Administração Pública Federal somente poderá figurar como parte em contratos de licença de direitos sobre programas de computador dos gêneros especificados no art. 4º quando esses contratos, no mínimo:

i) possibilitem à Administração o acesso ao código-fonte dos programas, de forma irrestrita e permanente;

ii) possibilitem à Administração a execução, a reprodução, a alteração, inclusive quando implique a realização de obras derivadas, e a distribuição dos programas por meios habituais de intercâmbio de programas de computador, em código-objeto ou formato executável, acompanhados dos respectivos códigos-fonte;

iii) permitam estender aos cidadãos possibilidades idênticas àquelas conferidas à Administração nos termos deste Decreto.

Art. 2º. Os contratos de licença a que se refere este Decreto não poderão estipular qualquer contraprestação pela transmissão de direitos em si ou pelo exercício dos direitos transmitidos.

§1º. Não se entende por contraprestação a estipulação de encargos e condições destinados a permitir a estabilidade e a continuidade da cadeia de licenças, nos termos da licença sobre a obra originária.

§2º. A utilização dos programas e o acesso aos seus códigos-fonte, nos termos previstos neste Decreto, não poderão ser condicionados a qualquer contraprestação por serviços relacionados aos programas.

Art. 3º. As derivações desenvolvidas pela Administração sobre os programas serão submetidas a contratos de licença que transmitam direitos e deveres idênticos aos previstos nos contratos de licença sobre os programas.

§1º O modo de transmissão de direitos a que se refere o caput se aplica também:

i) aos contratos de licença sobre as derivações que terceiros, sob encomenda da Administração, desenvolvam sobre os programas, nos termos do art. 111 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993;

ii) aos contratos pelos quais a Administração sublicencie seus direitos sobre os programas;

iii) aos contratos de licença sobre derivações e aos contratos de sublicenciamento, firmados por terceiros a quem a Administração transmita seus direitos sobre os programas e sobre as derivações que tenha desenvolvido sobre os mesmos.

§2º O disposto no §1º vincula todas as pessoas que, recebendo direitos e deveres anteriormente transmitidos pela Administração, integrem a cadeia de licenças sobre os programas e suas derivações.

§3º Os Comitês a que se refere o art. 4º poderão estender o disposto neste artigo às obras que, sem consistir em derivações, se utilizem dos programas, no todo ou em parte, para a realização de suas funcionalidades.

Art 4º. Os gêneros de programa de computador a que se refere o art. 1º são os seguintes: a) sistemas operacionais de servidor de rede e de computador pessoal; b) aplicativos de navegação em rede; c) aplicativos de correio eletrônico; e d) aplicativos de escritório.

§1º O rol previsto no caput poderá ser ampliado por Resolução conjunta do Comitê Técnico de Implementação do Software Livre e do Comitê Técnico de Sistemas Legados e Licenças de Software, instituídos, no âmbito do Comitê Executivo do Governo Eletrônico, pelo Decreto de 29 de outubro de 2003.

§2º Os membros designados na forma prevista no art. 2º, §1º, do Decreto a que se refere o §1º acima, aprovarão, por maioria absoluta, em 90 (noventa) dias contados da publicação deste Decreto, norma dispondo sobre a organização administrativa de seus respectivos Comitês.

§3º O Comitê Técnico de Implementação de Software Livre e o Comitê Técnico de Sistemas Legados e Licenças de Software poderão expedir Resoluções para a fiel execução do disposto no presente Decreto, nos termos estipulados em seus respectivos regimentos.

Art. 5º. Quaisquer exceções ao disposto no presente Decreto deverão ser justificadas pelo Ministro de Estado a cuja área de competência estiver afeta a contratação, no caso da União, ou pela autoridade máxima da autarquia, da fundação, da empresa pública ou da sociedade de economia mista contratante, e somente serão admitidas quando, atendendo às normas e princípios que regem a função administrativa do Estado, forem estritamente necessárias para a continuidade das atividades da Administração.

Art. 6º. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, ... de fevereiro de 2005; 184º da Independência e 117º da República.

Exposição de Motivos

Contextualização. Em seu artigo “Inovação, Informação Tecnológica e a Cultura da Liberdade: A Política Econômica do Software Aberto”, o sociológo e economista espanhol Manuel Castells, da Universidade de Berkeley, enuncia que o assim chamado Software Aberto (ou Software Livre, como referido de ora em diante) “não é uma fantasia ou uma prática marginal”, mas uma “forma de organização social da produção” de programas de computador, “voltada ao acesso aberto ao conhecimento do código fonte” desses programas. Um movimento que “introduz uma nova e cooperativa forma de produção que transcende os limites tradicionais da divisão social do trabalho baseado em hierarquias” e que funciona por meio de uma “rede aberta de cooperação voluntária”.1

Como tal, segundo Castells, é um fenômeno social, econômico e político, fundado em uma nova forma de relação entre comunidade, cultura e atividade comercial. Uma lógica dialética de organização da produção, que se constrói em torno de um processo de conhecimento intensivo e de uma nova noção de propriedade, baseada no direito de distribuir o conhecimento e não de excluir terceiros de sua utilização. Uma lógica que começou nos idos de 1984, com a criação da Free Software Foundation e do Projeto GNU por um grupo de programadores do Massachussets Institute of Technology, liderados por Richard Stallman, se desenvolveu com a colaboração de milhares de programadores ligados pela rede mundial de computadores, e se consolidou com o gênio de Linus Torvalds, da Universidade de Helsinki, que criou o coração desse sistema, apelidado de Linux.

Daí ganhou o mundo, conquistando o interesse de diversas organizações e, especialmente, de inúmeros governos que passaram a buscar sua implementação como uma ferramenta poderosa de inclusão social, de economia de custos, de eficiência administrativa e, sobretudo, de realização da soberania e de aperfeiçoamento do processo democrático, por meio da abertura dos códigos que presidem e instrumentalizam o exercício da função administrativa do Estado.

* * *

Modelo de Desenvolvimento e Contratação. Vê-se, assim, que a adoção do chamado Software Livre em nosso País nada tem a ver com a simples escolha de um produto ou com a discriminação de qualquer organização quanto às possibilidades de acorrer ao processo de informatização do Estado. Ao contrário, toda e qualquer organização é bem vinda e saudada a ingressar nesse novo modelo de abertura e compartilhamento do conhecimento. Em vez de se estreitar a concorrência, multiplicam-se as possibilidades de desenvolvimento quando a informação passa a ser tratada como um bem não escasso, não rivalizado e público.

E não se cuida de escolher um produto justamente porque Software livre não é um tipo diferente de software; não é uma espécie distinta dentro do gênero software. Internamente, em sua arquitetura, o que chamamos de software livre não tem uma substância técnica diversa daquilo que chamamos de software proprietário. A definição legal não difere (art. 1º da Lei nº 9.609/98). O que faz um software ser livre para o governo e para a sociedade é a forma como os direitos sobre ele são adquiridos ou transmitidos pelo governo. O software livre é livre por causa do contrato.

Assim, quando o governo “contrata software livre”, ele não está dando preferência a um tipo de programa ou a alguma empresa. O que ele está fazendo é contratando de uma forma melhor para o cidadão, para o país e para todo o mundo que se beneficia do compartilhamento das informações que existem no código do programa.

O governo saber o que diz o código do seu programa (além de não pagar nada por sua licença) tem a ver com eficiência (inclusive sob o prisma da economicidade), com independência e com soberania. O cidadão saber o que diz o programa de computador que o governo usa tem a ver com democracia e com cidadania. E todo mundo poder usar as informações desse programa e criar com base nelas tem a ver com o desenvolvimento social, cultural, político e econômico da sociedade brasileira.

O que se deve perceber é que o Estado tem hoje à sua frente duas formas de contratar distintas. Uma em que o governo e o cidadão preservam mais direitos – direitos inerentes à democracia – e outra em que o governo e o cidadão abrem mão desses mesmos direitos. São dois modelos contratuais distintos. E adotar um ou outro modelo não é uma opção para o governo. É, ao contrário, um dever. O governo tem o dever de contratar da forma melhor para o cidadão.

* * *

Precedentes. A presente proposição encontra esteio em uma série de ações que já vêm sendo promovidas pelo Governo brasileiro com vistas à implementação do software livre, mas que carecem de um esteio normativo mais preciso, para que se dê cobro a algumas condutas isoladas dissonantes dessa política pública. Uma política que, por sua relevância, foi inserida no âmbito do Comitê Executivo do Governo Eletrônico, do Conselho de Governo da Presidência da República.

Com efeito, o Decreto presidencial nº 18, de outubro de 2000, instituiu o Comitê Executivo do Governo Eletrônico e outorgou ao mesmo as atribuições de i) coordenar e articular a implantação de programas e projetos para a racionalização da aquisição e da utilização da infra-estrutura, dos serviços e das aplicações de tecnologia da informação e comunicações no âmbito da Administração Pública Federal; e ii) coordenar a implantação de mecanismos de racionalização de gastos e de apropriação de custos na aplicação de recursos em tecnologia da informação e comunicações, no âmbito da Administração Pública Federal, dentre outras.

Com lastro no referido Decreto, o Presidente editou, em outubro de 2003, o Decreto nº 29, instituindo o Comitê Técnico de Implementação de Software Livre e o Comitê Técnico de Sistemas Legados e Licenças de Software. No mesmo mês, foram aprovadas as Ações Prioritárias de Implementação de Software Livre no Governo Federal, dentre as quais se pode destacar: i) a migração de serviços básicos de rede e o planejamento, estruturação e teste dos demais serviços, e ii) a elaboração de padrões de requerimentos favoráveis ao software livre a serem incluídos em processos de licitação e contratação da administração pública.

De parte as claras diretrizes tendentes à migração, que resultaram, inclusive, na edição de um Guia de orientações e práticas de migração para a Administração Pública (o Guia Livre), fato é que em diversas ocasiões o próprio Tribunal de Contas da União2 tem apreciado condutas que refogem às políticas governamentais e expõem o erário público e uma série de valores e princípios legais e constitucionais a ameaças de lesão rotineiras por parte de alguns poucos interessados na manutenção de um modelo hegemônico e monopolista, que há anos vem sangrando os cofres públicos deste País e submetendo a democracia brasileira ao governo obscuro dos códigos de algumas poucas corporações.

Um modelo que persiste, mesmo após o TCU, por meio do Acórdão nº 1.521/2003, ter decidido que “não obstante a indicação de marca, desde que circunstanciadamente motivada, possa ser aceita em observância ao princípio da padronização, este como aquela não devem ser obstáculo aos estudos e à efetiva implantação e utilização de software livre no âmbito da Administração Pública Federal, vez que essa alternativa, como já suscitado, poderá trazer vantagens significativas em termos de economia de recursos, segurança e flexibilidade”.

A aprovação do presente Decreto se faz imperativa seja para tornar atual aquilo que foi previsto em potência no planejamento das Ações Prioritárias de Implementação de Software Livre, seja para trazer ao gestor público e aos órgãos de informática do Governo Federal a segurança jurídica necessária para levar a efeito um projeto de migração mais ambicioso.

É tempo de fazer com que, derradeiramente, a Administração Pública brasileira possa concretizar o que deveria ser regra, e não exceção: o planejamento de suas contratações, de acordo com um conjunto de direitos por ela previamente escolhidos, e de forma a fazer valer a supremacia do interesse público sobre o particular. Algo muito diverso do que vem ocorrendo até os tempos presentes, onde um conjunto de umas poucas organizações vem impondo à Administração Pública brasileira um modelo de contratação restritivo e algumas vezes até mesmo incompatível com nosso ordenamento jurídico. * * *

Iniciativas Internacionais. São inúmeras e crescentes as iniciativas político-regulatórias que, em outros países ou em nível comunitário, visam à implementação de software livre no âmbito governamental.

Na União Européia, tanto o Plano de Ação do e-Europe 2005 menciona que já no final de 2003 a Comissão Européia proporia um quadro acordado para a interoperabilidade, baseado em normas abertas e no incentivo à utilização de programas de computador de fonte aberta, quanto o Programa de Trabalho 2005-2006 do programa Information Society Technologies prevê a criação e a extensão de plataformas, metodologias, middleware, padrões e ferramentas abertos e interoperáveis, com resultados que possibilitarão a criação e o desenvolvimento de sistemas complexos de software e, particularmente, a criação simples e pouco custosa de novos tipos de serviços e aplicações.

O projeto italiano de lei sobre a utilização software livre no âmbito da Administração Pública evoca como seus objetivos o favorecimento ao pluralismo informático, à economia pública, à concorrência, à transparência no mercado, ao desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica e, ainda, à realização dos princípios da eficiência e da economicidade da função administrativa. Em sua exposição de motivos, os Senadores autores da proposição destacaram o potencial da política pública em questão para modificar a dinâmica de desenvolvimento daquele país. (Disegno di legge N. 1188, de 26 de fevereiro de 2002).

Em França, o Decreto nº 2001-737, de 22 de outubro de 2001, atribuiu à Agência para as Tecnologias de Informação e Comunicação na Administração (ATICA) o papel de encoragar a Administração à utilização de programas de computador livres e de padrões abertos.

Na Espanha, o Projeto de Lei nº 122/000217, prevê como motivos para a adoção de uma política de software livre a otimização do investimento, o fomento à inovação tecnológica, a independência de fornecedores, a privacidade dos dados pessoais, a publicidade, a segurança nacional, o fomento da língua própria, dentre outros.

Há iniciativas legislativas também na Alemanha, na Argentina, na Bélgica, na Dinamarca, no Peru, em Portugal, dentre outros países, sendo de se destacar o recente Decreto presidencial venezuelano sobre Software Livre (Decreto nº 3.390/2004), que se inspirou declaradamente na Política de Software Livre do Governo Brasileiro, como previamente enunciado pelo Presidente Hugo Chávez.

* * *

Análise da Proposição.

1. Preâmbulo. O preâmbulo do Projeto faz alusão a uma série de dispositivos da Constituição da República e da Política Nacional de Informática que fornecem o substrato jurídico para a implementação da Política de Software Livre pela Administração Pública Federal.

Por um lado, o Projeto busca esteio direto no art. 84, VI, a), da Constituição, que versa sobre a hipótese do Decreto Autônomo para organização da Administração Pública. Isto porque, ao regular o processo de contratação de programas de computador pelo Estado e ao dispor sobre como os Comitês Técnicos de Implementação de Software Livre e de Sistemas Legados e Licenças de Software promoverão a regulação e a integração de seus dispositivos, o Decreto está cuidando de matéria eminentemente administrativa.

Por outro lado, as finalidades e justificativas do Decreto encontram arrimo em diversos dispositivos programáticos estabelecidos na Constituição e na Lei nº 7.232, de 29 de outubro de 1984.

Esta, em seu art. 2º, estabelece como objetivos da Política Nacional de Informática a capacitação nacional das atividades de informática em proveito do desenvolvimento social, cultural, político, tecnológico e econômico da sociedade brasileira, em estreita sintonia com os exatos motivos que orientam o Governo brasileiro à adoção de um modelo de abertura dos códigos da Administração Pública ao escrutínio da sociedade, e de compartilhamento do conhecimento tecnológico.

Um modelo que emprestará maior capilaridade ao processo de inovação, por meio do desenvolvimento colaborativo dos programas de computador; possibilitará o desenvolvimento das pesquisas científicas em tecnologia da informação; incluirá digitalmente a população menos favorecida por meio da popularização de programas de computador com custos praticamente nulos; aumentará a empregabilidade no mercado, com o deslocamento do foco de interesse da exploração de direitos de propriedade intelectual para o setor de serviços, continuamente demandados pelo Estado; reduzirá a remessa de royalties para o exterior, resultando em maior equilíbrio da balança comercial; assegurará a soberania do Estado brasileiro por meio da autodeterminação dos códigos que instrumentalizam o exercício de suas funções; entre inúmeras outras vantagens que tudo têm a ver com os objetivos em questão e também com os diversos valores constitucionais invocados pelo Projeto.

Dentre estes, vale destacar especialmente o artigo 219 da Constituição da República que, ao versar sobre a Ciência e Tecnologia, determina o incentivo ao mercado interno de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País. E esta perspectiva, de que tecnologia também é um valor social e cultural, de parte poder ser extraída da própria inserção topológica do dispositivo no título da Ordem Social na Constituição, reverbera no artigo 216 do mesmo diploma, que define como componentes do patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, e as criações científicas, artísticas e tecnológicas. Criações, estas, que devem receber o incentivo da lei para sua produção e conhecimento, como disposto no §3º do mesmo dispositivo.

Não é senão disto que trata a política pública que ora se busca espraiar por meio do presente Decreto. Uma política que será exercida por meio do “poder de compra” do Estado brasileiro, como mecanismo de regulação que encontra amparo preciso no art. 174 da Constituição e que levará a bom termo a ponderação entre diversos princípios que regem a Ordem Econômica instituída pela Carta (art. 170), entre vários fundamentos, objetivos e princípios de nossa República (arts. 1º, 3º e 4º), bem como entre inúmeros direitos e garantias fundamentais inseridos no art. 5º da Constituição.

A realização dos princípios que regem a função administrativa do Estado (art. 37 da Constituição) também encontra coro nos fundamentos do Projeto, assim como os princípios da Política Nacional de Informática (art. 2º, incisos I, IV e V da Lei nº 7.232 / 84), que dão esteio direto à atuação do Poder Executivo, independentemente de qualquer outro diploma legislativo. Com efeito, se por um lado a lei prevê a ação governamental na orientação, coordenação e estímulo das atividades de informática; por outro lado impinge essa mesma ação à proibição à criação de situações monopolísticas de direito ou de fato e ao ajuste continuado do processo de informatização às peculiaridades da sociedade brasileira.

2. Artigo 1º. Os Direitos. O presente artigo estabelece quais direitos deve a Administração preservar em suas contratações de licenças sobre programas de computador, e contextualiza o assunto de acordo com sua característica essencial: a de ser uma opção por um modelo contratual e não por um tipo específico de produto. Desta forma, não restam restritas as possibilidades de competição preconizadas pelo art. 37, XXI, da Constituição da República, mas, sim, ampliadas, a partir do momento em que as opções se diversificam e o monopólio se desfaz.

O artigo busca definir um âmbito mínimo de direitos, mas não os deveres, que variam consideravelmente de acordo com as licenças de software. A Licença Pública Geral, por exemplo, prevê como regra o chamado Copyleft – o dever de que todas as derivações sejam licenciadas nos mesmos termos da obra originária. Já outras licenças de Sofware Aberto não prevêem o Copyleft como uma regra, mas tão somente como uma possibilidade. Descer a este nível de detalhamento poderia levar à incompatibilidade entre os termos do Decreto e de inúmeras das licenças de software livre ou de software aberto, de forma que optamos por restringir a proposição àqueles direitos que são a essência da doutrina do software livre e que figuram na totalidade das licenças dessa modalidade de contratação.

Como valor simbólico, registramos que as licenças devem permitir à Administração estender aos cidadãos possibilidades idênticas àquelas a ela conferidas. O dispositivo reflete o grau exato de consensualismo e democracia que se quer fomentar com este Decreto: o envolvimento entre o Estado e a Sociedade num fluxo formidável de compartilhamento do conhecimento e de aperfeiçoamento da inteligência coletiva.

3. Artigo 2º. Os Deveres. O dispositivo prevê aquilo que é a regra em qualquer licença de software livre: não pode haver remuneração pela licença, de forma direta ou indireta. Os ganhos são coletivos, e somente individuais enquanto dimensão do coletivo. Assim, o titular dos direitos não pode cobrar qualquer sorte de contraprestação pela licença ou obrigar o usuário à contratação de serviços acessórios remunerados como condição para o exercício dos direitos decorrentes da licença.

Não obstante, é absolutamente necessário que as licenças de software livre estabeleçam encargos e condições que revertam em benefício da própria coletividade, porquanto possibilitem a permanência do fluxo de troca do conhecimento, de evolução dos programas de computador e, assim, a estabilidade e a continuidade da cadeia de licenças dos programas e de suas derivações. Assim ocorre, por exemplo, com o Copyleft, com o dever de inserir no código-fonte as marcas das alterações efetuadas, de entregar uma cópia do código-fonte e da licença em cada distribuição, dentre outros. Estes deveres não são proibidos, porquanto não revertem ao titular na forma de contraprestação, mas sim a todos aqueles que se beneficiam do fluxo do processo de inovação.

4. Artigo 3º. O Copyleft. Os programas de computador desenvolvidos pelo Estado são bens culturais pertencentes à sociedade; vale dizer, são bens públicos e, exatamente porque são públicos, devem ter suas utilidades desdobradas com a intensidade necessária para o amplo atendimento das premências da coletividade. Por outro lado, devem, com a mesma intensidade, ser acautelados contra toda e qualquer forma de apropriação que embarace sua fruição pela polis.

Embora o Projeto não preveja o Copyleft como um padrão presente nas licenças, entende que a apropriação privada do conhecimento público, gerado inclusive com a concorrência da Administração, não é algo desejável e deve ser combatido. Assim, tanto a Administração quanto toda e qualquer pessoa que receba direitos anteriormente transmitido pela Administração em relação aos programas ou suas derivações deve mantê-los nos mesmos termos da licença por meio da qual recebeu tais direitos, mesmo que a referida licença não estipulasse a cláusula de Copyleft.

O §3º permite que os Comitê estendam o dispositivo não só para as derivações como também para aquelas obras que, sem consistir em derivações, se utilizem dos programas para o desenvolvimento de suas funcionalidades. São obras que meramente se ligam a esses programas, sem incorporar parte substancial de seu código, e que, por conseguinte, não são consideradas como derivações. Contudo, como demanda ainda algum amadurecimento o assunto de até que ponto o modelo proprietário pode fazer uso de tecnologias livres, ainda que delas não se aproprie, preferimos deixar aos Comitês o aprofundamento dessa questão, embora desde já a contemplando.

5. Artigo 4º. O Âmbito Mínimo. O Projeto buscou se restringir ao âmbito mínimo daquelas tecnologias sobre as quais já existe consenso de que o segmento do software livre alcançou estágio de desenvolvimento equivalente ou superior ao do segmento do modelo proprietário. Não obstante, como mecanismo de flexibilidade e evolução, permitiu-se que os Comitês Técnicos do Governo Eletrônico ampliem o rol originariamente definido, acompanhando a par e passo o fluxo de aprimoramento das tecnologias livres.

Todavia, entendeu-se que alguma forma de organização e controle deste processo de evolução deve ser estabelecida, de maneira que, com a vigência do Decreto, os referidos Comitês serão instados à aprovação de seus respectivos regimentos internos, os quais deverão prever, inclusive, o rito do processo deliberativo por meio do qual aprovarão as Resoluções regulamentares de que cuida o §3º do dispositivo em questão.

6. Artigo 5º. As Exceções. Porque o Projeto trata de aspectos inerentes à indisponibilidade do interesse público, entendeu-se que deve contar com mecanismos de controle análogos aos presentes em outros processos de composição que impliquem em renúncia de direitos. Assim, o paradigma foi o disposto na Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, que regula os acordos ou transações da Administração Pública Federal. Não cabe a complacência com que a Administração lance mão de princípios inerentes à própria democracia e de escassos recursos públicos na aquisição de licenças proprietárias, senão como uma ultima ratio; vale dizer, como medida estritamente necessária para a continuidade de suas atividades e integralmente compatível com os valores legais e constitucionais que deve observar.

7. Artigo 6º. Vigência. Justamente porque se espelha em uma série de dispositivos constitucionais e legais já em vigor, bem como em um conjunto de ações já deflagradas pelo Governo Brasileiro, não deve haver vacatio para que o Decreto passe a irradiar seus efeitos sobre a Administração Pública Federal deste País e sobre todos aqueles que dela venham a receber qualquer direito relativo aos programas de computador em questão. O regime de liberdade e democracia que ora se busca aprofundar não se coaduna com qualquer sorte de interrupção ou sobrestamento. O Estado deve – e já devia – contratar livre.


Fonte: Projeto Software Livre Brasil


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