Só deu ele. No 10º Fórum Internacional de Software Livre (Fisl), realizado em Porto Alegre (RS), todas as atenções se voltaram para Peter Sunde, um dos criadores do PirateBay. Além de dar palestras, Peter foi abordado pelos participantes do fórum para trocar meia dúzia de palavras e tirar fotos. Num evento em que a tônica foram críticas aos projetos de lei para controle da rede, ele foi a estrela. Pelos cantos, escutava-se dos participantes: "Condenado na Suécia, aclamado no Brasil." Mas o veredicto não o incomodava e Peter estava tranquilo. "Não vamos ser presos. Vamos recorrer. E vamos vencer no final", disse ele.Anigif_peter

Grupo Estado - Qual o significado da derrota do PirateBay? Fortalece a indústria?

Peter Sunde - Mostrou que não se pode acreditar nas leis suecas. A indústria ainda tem muito poder e que precisa desse poder para sobreviver. Fiquei muito surpreso com o veredicto. Foi contra a tecnologia, mais do que qualquer outra coisa. E isso é muito ruim. No fim das contas, o resultado não importa, não muda nada. Se é legal ou não, não importa. O que o júri não entende é que todos estávamos lá por uma coisa natural, hoje é natural compartilhar.

Grupo Estado - Por que você acha que a indústria ainda detém este poder se as pessoas não se interessam mais por ela?

Sunde - Há duas coisas: a maioria dos países é influenciada por Hollywood, com filmes, música e programas de TV. Eles têm esse poder sobre nossas culturas e querem barrar a cultura livre. E precisamos mudar isso. Além disso, as organizações que defendem a propriedade intelectual têm munição: são ricas, poderosas e influenciam governos. Achamos que eles também são ilegais por isso.

Grupo Estado - Como você vê o surgimento de leis como na França, que queria desconectar quem baixasse, mas foi considerada inconstitucional?

Sunde - Muitas pessoas no Congresso adoram a causa da indústria. O que é mal. Temos de fazer os políticos não escutarem eles e acabar com o lobby no Congresso. Eu tenho muito medo do que está acontecendo agora. Na Suécia, há uma lei de vigilância, em que toda a comunicação na internet será monitorada e gravada não se sabe por quanto tempo. Isso é preocupante. Temos de garantir que os responsáveis por essas leis sejam demitidos e que elas acabem. A lei da França é muito ruim. É uma forma de apoiar uma indústria que está morrendo. É uma forma de dar dinheiro à indústria e ajudá-la. Isso é ruim para a sociedade. Precisamos acabar com isso.

Grupo Estado - Você acha que a indústria irá viver mais alguns anos por causa da lei?

Sunde - As leis vão dar uma sobrevida. Mas no fim, certamente, eles irão perder. Mas precisamos fazer com que isso seja logo para ter uma cultura mais livre.

Grupo Estado - Você imagina um mundo sem gravadoras e estúdios de cinema?

Sunde - Não. Acho que eles existirão. Precisamos de gravadoras, mas não como elas são hoje.

Grupo Estado - Mas você acha que as majors e os grandes estúdios morrerão e surgirá outro tipo de indústria?

Sunde - Se estas empresas não mudarem, elas vão encolher até desaparecer. O negócio é crescer ou sair. Elas têm muito dinheiro, então podem sobreviver por um futuro longo e têm muito poder entre políticos. Mas acho que as pessoas estão começando a ficar muito chateadas com essas empresas hoje.

Grupo Estado - Principalmente porque voltaram a processar pessoas, não?

Sunde - É como estão ganhando dinheiro hoje, processando as pessoas. As gravadoras não querem tentar um novo modelo de negócios para mudar isso.

Grupo Estado - Você foi condenado. Tem medo de ser preso? No vídeo que postou logo após o julgamento, disse que não iria pagar nada da multa de US$ 3 milhões.

Sunde - Não serei preso. Será uma novidade mundial se acontecer. Na Suécia essas coisas não acontecem. Vamos vencer no final. Vamos recorrer. Fomos condenados, mas o juiz não disse porquê. Foi o principal erro neste julgamento.

Grupo Estado - Há defensores seus que dizem que vocês foram julgados por ajudar outras pessoas a cometerem crimes. Mas só se pode ser julgado por crimes que se cometeu.

Sunde - Os juízes são inimigos da tecnologia, pois não entendem o significado da internet para a sociedade. Há muito na internet que é confiável. Eles têm muito conhecimento na lei, mas não têm conhecimento em tecnologia. Nós não acreditamos que iremos para a cadeia. Sabemos que iremos vencer no fim. Não há outro final.

Grupo Estado - O compartilhamento mudou a forma como as pessoas consomem e produzem cultura no mundo?

Sunde - Democratizou, fez de todo mundo publicador, produtor e consumidor, de grandes títulos e pequenos. Os valores mudaram. Veja o Twitter, a Wikipedia, exemplos de como as pessoas estão cooperando em algo grande. Mudou a sociedade, que, por si só, é egoísta.

Grupo Estado - Por que você faz downloads e compartilha?

Sunde - Um dos motivos é para compartilhar músicas que eu gosto, mas também acho coisas na internet que nunca tinha ouvido falar. Também baixo filmes de outros países que nunca poderia ter acesso.

Grupo Estado - Estamos em um evento de software livre. A filosofia de compartilhamento desse movimento ajudou a chegarmos ao compartilhamento de arquivos online?

Sunde - Tudo veio daí. Por que não se fala tanto de pirataria em softwares? Pois há um movimento muito grande pelo software livre, que ganha dinheiro se ajudando, fazendo códigos para grandes empresas. Há um modelo de negócios. E tem a liberdade envolvida. É uma coisa que o software livre nos mostra. Eles nos trazem uma saída.

Grupo Estado - Tudo na web deveria ser livre?

Sunde - Tudo deveria ter livre acesso, não sei se de graça. Acho que pagar por conteúdo pode ser até OK. Por exemplo, pagar por uma assinatura mensal para ter acesso a todas as músicas do mundo por US$ 10 mensais. Você pagaria para esse serviço. Mas o conteúdo em si, sozinho, não tem mais valor, o que não o impede de se tornar lucrativo. Pode ter preço. Quando é físico, tem preço, pois é um objeto. Quando é digital, ao invés de vender a unidade, você precisa espalhar cada vez mais.

Grupo Estado - Depois desse julgamento, qual será o futuro do PirateBay?

Sunde - Vamos continuar. Mas espero que cada vez menos precisem da gente. O meu ideal é que, no futuro, as pessoas possam compartilhar de forma mais descentralizada, sem um nó central, como é o PirateBay.

O jornalista Rodrigo Martins viajou a Porto Alegre a convite da organização do Fisl

 Fonte: Yahoo