segunda-feira, julho 06, 2009

Agência Brasil - Autores comentam influência de novas mídias na literatura - Tecnologias

 
6 de Julho de 2009 - 08h10 - Última modificação em 6 de Julho de 2009 - 10h54


Autores comentam influência de novas mídias na literatura

Lísia Gusmão
Enviada especial da EBC

 
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Paraty (RJ) - Quando Chico Buarque citou Lourenço Mutarelli como exemplo de literatura nova, no palco principal da 7ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), alguém na plateia fechou o semblante e perguntou a quem o escritor se referia. Trata-se do quadrinista autor do livro O Cheiro do Ralo, cuja narrativa urbana foi adaptada com sucesso para o cinema.

“Isso é muito novo. Só podia ser livro de quadrinista. Isso é bom para literatura”, disse Chico Buarque.

Doutora em literatura comparada, a professora Beatriz Resende, vibra com a influência de outras mídias na literatura. Segundo ela, o final do século 20 experimentou o diálogo entre literatura e cinema. Cabe ver o que vem agora.

“Chico Buarque, um consagrado, com uma literatura contemporânea, mas que é uma literatura mais tradicional, destacou Mutarelli, que realmente é um nome muito interessante nesse caminho do quadrinho, de uma outra estética”, disse Beatriz, que participou da Flip como mediadora do debate O Avesso do Realismo, com o afegão Atiq Rahimi e o brasileiro Bernardo Carvalho.

Segundo a professora, o “convívio da diversidade” é a marca da atual produção literária no Brasil. Para ela, a peculiaridade deste momento, deste início do século 21, é a pluralidade, a multiplicidade, com a diversidade em convívio.

“A gente tem um convívio pacífico, de troca e admiração entre uma geração jovem e a anterior. Autores já consagrados leem e incentivam os jovens autores, mantendo um diálogo”.

Diversidade também é a palavra usada pelo escritor Marcelino Freire para falar de literatura contemporânea. Ele cita, com entusiasmo, o trabalho de pequenas casas editoriais fora do eixo Rio-São Paulo que fogem das regras comerciais que ditam o mercado literário e desestimulam novos autores.

“Hoje um diretor financeiro trabalha diretamente com o editor. Eu não sou daqueles escritores que ficam reclamando. Eu sou daqueles que trabalham, porque a gente tem que lembrar que está num país em que se lê muito pouco, que está em um tempo em que tudo é mais. Você tem DVD com extras, making of e entrevista com o diretor. Você carrega 1.500 músicas no bolso. Você tem 140 canais de televisão. Como largar tudo isso para pensar num livro e ainda por cima contemporâneo”?

O o escritor manifesta a esperança de que o universo literário se amplie. “Isso depende de uma mudança na geografia das coisas. Um evento como esse aqui em Paraty modifica um pouco a geografia da cidade com essas crianças e jovens sabendo que estão homenageando um escritor, que está todo mundo aqui reunido para literatura. Não vou estar vivo para acompanhar este auge. Meus livros estarão aí, caso alguém queira ler”.

Para Beatriz Resende, no entanto, o brasileiro lê mais do que compra livros. Ela lembra o fenômeno da literatura na internet, do qual o pernambucano Marcelino Freire é adepto.

Marcelino reclama, por exemplo, do interesse das editoras pelo gênero do romance em detrimento dos contos e da poesia. “O que me interessa é o gênero que eu escolhi para me expressar, em que posso dizer as coisas que tenho para dizer com o fôlego adequado. Eu escrevo contos porque tenho completa impossibilidade de escrever romances. Não tenho fôlego para eles”.

Segundo ele, na “conversa das editoras” o romance é o gênero por excelência. “Contos, talvez. Poesia, não”. Marcelino reconhece, porém, que o cenário começou a mudar a partir da antologia Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século. “E várias outras antologias vieram na rasteira. Tudo isso movimentou o mercado de autores e aí as editoras começaram a se interessar por contistas.”

Beatriz Resende admite que o romance é o gênero editorialmente privilegiado. O conto, explica, é um traço forte da literatura latino-americana, mas há escritores que não conseguem visibilidade, porque não têm um romance. “Os editores querem o romance, há um apelo pelo romance”, disse Beatriz.

Para o jornalista e escritor Humberto Werneck, as editoras privilegiam os romances por uma exigência do leitor. Interlocutor do escritor português António Lobo Antunes na mesa Escrever é Preciso e mediador da conversa entre o professor Edson Nery da Fonseca, amigo e correspondente de Manuel Bandeira, e o ex-aluno do escritor e jornalista Zuenir Ventura, na mesa Antologia Pessoal, Werneck especula que o leitor prefere os romances por considerá-los uma forma de "literatura completa".

"Na cabeça do leitor, existe um mecanismo estranho que talvez o faça pensar que um romance oferece mais literatura do que um livro de contos com várias histórias. Ele prefere comprar uma coisa única a comprar uma coisa que pode ser irregular. É uma peculiaridade", afirmou.

Em Angola, o interesse da nova safra de escritores está voltado para a poesia, contou Ondjaki, que participou na 7ª Flip de uma discussão com Marcelino Freire sobre o acordo ortográfico assinado por oito países para uniformizar a língua portuguesa.

“A primeira expressão literária da nova geração angolana é a poesia. O jovem angolano diz: ‘sou poeta’. Há uma espécie de sonho, de fixação com essa coisa de ser poeta. Acho que decorre do fato de o poema ser um texto curto e aparentemente fácil. Então uma pessoa que tem o sonho de ser escritor, em vez de se dar ao trabalho de escrever um romance, escreve um poema de cinco páginas, o que é uma grande armadilha”, alerta o angolano.

Assim como no Brasil, os novos escritores de Angola estão preocupados com as tecnologias mais modernas, mas, por outro lado, produzem uma literatura diferente das gerações anteriores.

“As novas gerações têm uma estética mais aberta, mais preocupada com os grandes modernistas. Há um traço mais ou menos geral de alegria, espontaneidade, fantasia. Isso passa em toda literatura angolana neste momento”, explicou Ondjaki.

O angolano cita escritores brasileiros para falar das influências que sua literatura sofreu. “Graciliano ficou na minha memória. A literatura brasileira foi muito importante para minha formação. E o poeta Manoel de Barros mudou a minha forma de escrever”, disse, confessando também a admiração por Clarice Lispector, que considera, contudo, “indecifrável”.



Edição: Tereza Barbosa  


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