Estão avançados os estudos no governo para a criação da rede nacional de banda larga. O plano prevê a implantação de uma rede estatal de fibra ótica de 31.448 quilômetros, interligando 4.245 municípios (o equivalente a 76% do território nacional) e beneficiando 162 milhões de pessoas (87% do total).

Trata-se do último grande projeto do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado da anunciada consolidação das leis sociais.

O projeto, segundo informou ao Valor o secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna, está orçado em R$ 1,1 bilhão e pode ser executado em 14 meses. Com o plano, que depende ainda de aprovação do presidente Lula, o governo pretende criar a infraestrutura necessária para viabilizar o acesso da maioria da população à internet. A meta é fazer isso a uma velocidade de conexão considerada rápida - 1 megabyte (1 Mbps). Hoje, 90% das conexões de internet no Brasil são feitas com velocidade inferior a 1 Mbps. 

"Vai começar com 1 megabyte real de velocidade nos dois sentidos, ou seja, um mega de 'upload' (envio de arquivos) e 1 mega de 'download' (recebimento). O custo para elevar depois a capacidade é marginal", afirmou Santanna, principal idealizador do Plano Nacional de Banda Larga. 

O presidente Lula quer, com o projeto, promover inclusão digital. Mesmo sendo o país mais rico da América Latina, o Brasil possui baixo índice de penetração de banda larga. De cada 100 habitantes, apenas 5,2, segundo o Barômetro Cisco publicado em dezembro de 2008, têm acesso a essa tecnologia. No Chile (8,5%), na Argentina (7,8%) e no Uruguai (6,5%), os índices de penetração são maiores. 

Em recente visita ao município de Barra do Piraí, no interior fluminense, o presidente ficou impressionado com o projeto de inclusão digital implantado pela prefeitura com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e da Universidade Federal Fluminense (UFF). Lá, ele viu crianças da rede escolar pública portando computadores individuais. 

Em setembro, o presidente encarregou uma comissão interministerial de consolidar, no prazo de 45 dias, uma proposta de um plano nacional de banda larga. A comissão criou dois grupos para analisar o tema - um para tratar de infraestrutura e, outro, de mudanças no marco regulatório. A apresentação da proposta definitiva está prevista para o dia 9 de novembro, quando Lula terá que tomar decisões importantes sobre o projeto. 

Uma dessas decisões diz respeito à escolha da entidade que administrará a rede nacional de banda larga. Há quatro possibilidades sendo analisadas. A primeira é usar a antiga holding do Sistema Telebrás, que foi mantida mesmo após a privatização, em 1998, das empresas de telefonia (as teles). Outra opção é criar uma nova empresa. 

Uma terceira possibilidade é usar estatais do setor de tecnologia de informação, como o Serpro e a Dataprev, para incorporar as novas atividades. Outra seria encampar a Eletronet, empresa pertencente ao grupo AES que está em processo de falência, e da qual a LightPar, braço de participações acionárias da Eletrobrás, detém 49% do capital. 

Das quatro alternativas, a que mais tem ganhado força dentro do governo é ressuscitar a Telebrás. "A Telebrás é uma empresa que já está constituída e tem tudo pronto para tocar essa operação. Para usá-la, basta uma portaria do Ministério das Comunicações, porque a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) já atribui ao ministro o poder de dar uma nova função à estatal", revelou Santanna. 

A Telebrás, que é uma empresa de capital aberto com ação cotada em bolsa, tem R$ 283 milhões em caixa. O governo detém 91% das ações. Santanna acredita que, uma vez que a estatal volte a funcionar, o governo poderá promover uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) para captar recursos e destiná-los a futuros investimentos. "Podemos pulverizar o capital, como fez a Deutsche Telecom", comparou. 

A solução Telebrás não agrada a todos no governo. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, por exemplo, tem restrições. "O nosso foco não é a Telebrás. Lamentavelmente, em vez de a gente falar do plano, que é algo extraordinário, está se falando da Telebrás. Ela tem uma participação mínima nesse processo. Não dependemos da Telebrás para fazer isso. Ela pode ser ator, mas não um ator importante ou decisivo", criticou o ministro em entrevista ao Valor. 

Costa defende que o plano de banda larga seja executado em parceria com as grandes empresas de telefonia. Ele cita o acordo firmado, em 2008, entre o governo e as teles para a instalação de internet nas escolas públicas urbanas. Pelo acordo, gestado no Ministério das Comunicações, as empresas trocaram uma obrigação ainda dos tempos de privatização - a instalação de postos de serviços de telecomunicação nas cidades com até 50 mil habitantes - pela implantação de internet em 57 mil escolas, a custo zero para o governo. "Foi um acordo extraordinário", afirmou o ministro. 

As divergências entre Santanna e Costa vão além da Telebrás. A visão do primeiro, que encontra amplo respaldo no governo, é a de que há uma falha de mercado no segmento de banda larga no Brasil, um dos mais caros e deficientes do mundo. As empresas só levam infraestrutura de banda larga às regiões do país onde há forte demanda e dinheiro para pagar pelos serviços. 

"É fácil entender por que uma parceria com as teles não vai andar. A lógica da telefonia fixa é cobrar por tempo e distância. A lógica da internet é outra. Você não paga por distância e tempo, mas por capacidade alugada (de banda larga)", argumentou Santanna, acrescentando que a legislação não prevê a universalização desses serviços. "Quanto mais rápida for a banda larga, mais mercado a empresa de telefonia vai perder em outros negócios, como voz (telefonia fixa). Por isso, em todo o mundo as teles estão procurando outros negócios, como a geração de conteúdo." 

Nelson Simões da Silva, diretor geral da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), sistema que interliga em alta velocidade as universidades e os institutos de pesquisa públicos e privados e foi o responsável pela implantação da internet no Brasil, diz que a privatização do Sistema Telebrás foi muito bem-sucedida ao criar uma infraestrutura de telecomunicação no país. O problema é que essa infraestrutura não chegou às regiões mais pobres do país, limitando o acesso da população aos serviços de internet. 

"A RNP não teria a infraestrutura que tem hoje se não fosse o processo de abertura do mercado. Se fosse a Telebrás, no ritmo em que ela vinha (antes da privatização), não teria conseguido. A penetração de telefonia fixa e celular é grande. Estes são os méritos desse processo, mas há falhas. O estímulo para levar infraestrutura onde não há renda não existe", explicou Simões ao Valor. "A política pública falhou nessa área. Portanto, o novo projeto é uma resposta de política pública que não prescinde de uma atuação da indústria de telecomunicação, de forma alguma, mas ele incorpora um ator novo." 

Costa está convencido de que é possível levar banda larga aos rincões do país de braços dados com as empresas de telefonia. Na semana passada, o ministro convocou os principais dirigentes das teles para uma reunião em Brasília, na qual solicitou a elaboração de um plano de investimento em banda larga. 

"O que nós queremos é motivar as empresas, dizendo: 'Precisamos chegar a todas as cidades, estamos do seu lado, queremos participar com o que nós temos e vocês com o que vocês têm'", disse o ministro, acrescentando que o governo não vai explorar comercialmente os serviços de banda larga. "Não queremos roubar o espaço comercial de ninguém. O governo não vai contratar as empresas privadas. Vai indicar o caminho onde elas precisam investir." 

Centros de pesquisa já estão conectados 

O Brasil vive, no setor público, o estado da arte dos serviços de banda larga. Trata-se da RNP, a rede do Ministério da Ciência e Tecnologia que interliga, em alta velocidade, os principais centros de conhecimento do país. A rede foi criada em 1989, ajudou a implantar a internet e, há quatro anos, conecta universidades e institutos de pesquisa do Centro-Sul a 10 gigabytes de velocidade (o equivalente a dez mil vezes a banda larga de um mega). 

As aplicações da RNP são variadas. Vão do sensoriamento remoto para a realização de serviços meteorológicos a investigações astronômicas, passando por pesquisas no campo da física e da nanotecnologia. A RNP viabilizou, por exemplo, a implantação da Rede Universitária de Telemedicina (Rute), um sistema que permite o acompanhamento remoto de uma cirurgia em tempo real, para efeitos de pesquisa e ensino, com a participação, inclusive, de hospitais privados de excelência do país. 

"A RNP é um animal estranho. É uma rede pública, mas é restrita ao uso de instituições que estão fazendo inovação. Não é comercial, ao contrário de redes do governo que vendem serviços, como o Serpro", explicou o diretor-geral da RNP, Nelson Simões. Principal idealizador do fortalecimento da RNP, o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, quer agora que a RNP participe da rede nacional de banda larga. 

Foi na gestão de Rezende, iniciada em 2005, que o governo começou a implantar as redes metropolitanas que interligam os centros de pesquisa e ensino. Essas redes já foram implantadas em 14 das 27 capitais. Em 2005, o ministério contratou empresas de telefonia para interligar as redes metropolitanas. Os contratos são anuais e podem ser renovados até 2010. O ministro quer usar a futura rede nacional para fazer essa conexão. 

"Fisicamente, essa rede pertence à Oi e à Embratel", informou Rezende. "Quando uma entidade governamental estiver gerindo o 'backbone' nacional, seremos sócios oferecendo as redes metropolitanas, que já têm capilaridade, porque não adianta chegar à cidade num ponto e não distribuir. Oferecemos as redes das capitais e, em contrapartida, queremos um par (de fibra) para usar na RNP e, assim, substituir as redes que estamos contratando das empresas privadas." 

Segundo Rezende, a RNP tem capacidade similar à das teles para levar cabos de fibra ótica a regiões distantes dos grandes centros. "A Telebrás hoje não tem essa expertise. Temos experiência a oferecer para que essa interiorização da banda larga em todo o território nacional seja feita." 

Simões explicou que uma rede de pesquisa, para atender as aplicações mencionadas, é incompatível com o ritmo e as aplicações de uma rede de governo clássica (governo eletrônico, transações administrativas etc). "Eles não precisam de tanta capacidade. Já eu preciso lidar no nível da infraestrutura ótica. Por isso, preciso das fibras apagadas", assinalou. 

"Esta é uma oportunidade de o poder público ser ator também no processo de universalização de banda larga no Brasil", disse Simões. "É algo extremamente importante para um país que ainda tem tanta assimetria e cujo marco regulatório não vai permitir a correção do problema. Se o poder público não fizer nada, o mercado sozinho não vai fazer." 

Falência dificulta uso de fibras óticas da Eletronet 

Para evitar atrasos, o governo pretende colocar em execução o Plano Nacional de Banda Larga sem contar com as fibras óticas da Eletronet. A empresa, que possui cerca de 12 mil quilômetros em cabos, vive um intricado processo judicial de falência, cujo desfecho parece distante. 

Uma solução possível, segundo o secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna, é o governo encampar a empresa para reaver as fibras que, segundo ele, pertencem à União. "A Eletronet tem que continuar com seu processo de falência, não queremos pegar equipamento nenhum da empresa, apenas as fibras do governo que não estão sendo usadas por eles. Os equipamentos são antigos, sucateados, já não vale nem a pena tê-los de volta." 

Alertado por advogados, o ministro Hélio Costa, das Comunicações, disse ao presidente Lula que usar as fibras óticas da Eletronet na rede nacional poderá criar um contencioso judicial. É mais um argumento do ministro para que o governo opte por um plano de banda larga em parceria com empresas privadas. 

Santanna informou que o governo montará a rede a partir de cabos de fibra ótica já existentes e pertencentes a empresas estatais. A ideia é que a infraestrutura de banda larga a ser criada seja estatal e que os serviços de internet sejam prestados por provedores locais - nas cidades onde não houver interesse por parte dos provedores, a alternativa é uma instituição pública fornecer os serviços.

Fonte: Sepro