O termo “Comunidade de Prática” surgiu em 1991 no livro Situated Learning, escrito por Jean Lave e Etienne Wenger. Curiosamente, esse foi o ano em que surgiu a World Wide Web (WWW), o kernel (núcleo) do sistema operacional GNU/Linux, a linguagem de programação Python e muitas outras coisas marcantes no mundo da tecnologia. Uma das marcas desse período (talvez um pouco antes) foi o surgimento das Comunidades de Software Livre como ecossistemas criados em torno do desenvolvimento de softwares, potencializados pelas vias da Web, trazendo características marcadas pela colaboração e compartilhamento de conhecimento.

Hubert Saint-Orange e Debra Wallace, no livro Leveraging Communities of Practice for Strategic Advantage, definem Comunidade de Prática como um grupo de pessoas que compartilha um assunto, uma série de problemas ou a paixão sobre um tópico, e aprofundam seus entendimentos e conhecimento nesta área para interação em uma mesma base. Embora o conceito de Comunidade de Prática seja muito utilizado para a gestão de conhecimento em organizações, é possível trazer suas características paralelamente às Comunidades de Software Livre para melhorar a compreensão sobre como elas se constituem e se organizam.

Acompanhando algumas definições de Saint-Orange e Wallace, são identificadas basicamente três tipos de Comunidades de Prática:

  • Informal: Fornece um fórum de discussões para pessoas com afinidade de interesse;
  • Suportada: Constrói conhecimento e competência para determinado negócio ou área;
  • Estruturada: Proporciona uma plataforma multi-funcional para membros que tem objetivos comuns.

Apesar de diferentes em suas estruturas, esses tipos de composição possuem características em comum, em que se identificam princípios referentes às próprias comunidades e outros aos seus integrantes: a) atendem a uma “necessidade de conhecimento” dos seus membros; b) têm um propósito e um caminho para atingir seus objetivos; c) geram novos conhecimentos que suportam a prática; d) existem como um recurso para seus membros, que assumem total responsabilidade em suportar outros integrantes; e) exercitam o auto-governo por meio de convenções adotadas, materializadas em normas e diretrizes desenvolvidas em consenso pela comunidade, sem imposições verticais; f) utilizam vários canais de comunicação síncronos e assíncronos, inclusive encontros presenciais; g) recebem o apoio das organizações, que compreendem a “necessidade de conhecimento” e aprendizagem de seus funcionários.

Diante disso é possível observar que o objeto central nas Comunidades de Prática é o conhecimento. Nesse caso, o ambiente que mantém viva uma comunidade agrega três valores: 1) o acesso ao conhecimento existente; 2) a troca de conhecimento; 3) a criação de novos conhecimentos. Em se tratando dos participantes dessas comunidades, são verificados alguns objetivos individuais que se constituem, principalmente, no desejo de colaborar com os colegas, no comprometimento para aprender e gerar novas competências e na necessidade de encontrar soluções para questões ou problemas relacionados à sua área de prática.

Entretanto, as definições mais marcantes estão relacionadas à sua estrutura social e aos papéis de seus participantes. Isso, normalmente, não é atribuído ou identificado por eles de maneira consciente ou de forma intencional e faz parte dos relacionamentos estabelecidos entre os membros a partir de suas práticas. Nesse sentido, as definições dadas por Saint-Orange e Wallace permitem trazer à realidade das Comunidades de Software Livre a estrutura social identificada em Comunidades de Prática. Essa estrutura pode ser classificada em três perfis, que contemplam os tipos de participantes considerados como indivíduos que fazem a diferença:

  • Conectores: Pessoas que conhecem muitas pessoas. Têm facilidade de relacionamento e acabam interconectando vários mundos;
  • Especialistas: Conectam as pessoas com informação. São especialistas em determinados assuntos;
  • Vendedores: São os persuasores. Convencem outras pessoas a aceitar mudanças ou tentar coisas novas. Contagiam emocionalmente as pessoas.

Quanto aos papéis identificados nos participantes, os mais importantes são os Membros, que constituem o grupo de atores principais – pessoas que colaboram para que a comunidade avance. Os demais são papéis de suporte à comunidade. Os Membros são classificados em:

  • Incitadores: Iniciam debates. Fazem perguntas, denunciam problemas ou discrepâncias. Não necessariamente resolvem os problemas;
  • Sintetizadores: Ajudam a organizar os tópicos, conteúdos e contextos;
  • Conselheiros: Contribuem em discussões com pontos de vistas que trarão vantagens para si próprios. Não tentam persuadir as pessoas, apenas sugerem algo e se calam;
  • Testemunhas: Dão suporte a posições reforçando um ponto de vista, dando credibilidade a uma idéia por sua experiência própria;
  • Protetores: Membros mais ativos da comunidade. Têm muito interesse no sucesso dela e assumem o papel de líderes. Conhecem muito bem a comunidade e sempre têm algo a dizer sobre os assuntos;
  • Indiferentes: São a grande maioria dos membros. Visitam a comunidade regularmente, mas sua participação é limitada; se informam sobre e com as contribuições, acompanham os debates, utilizam os recursos, mas não contribuem.

Os papéis de suporte, que são importantes mas não necessariamente indispensáveis ou mesmo identificáveis em todas as comunidades, porém, mais adequados a Comunidades de Prática, são classificados em:

  • Condutores: Membros da comunidade e possivelmente da organização que têm papel de líderes, desenhando políticas, identificando procedimentos e encorajando o desenvolvimento da comunidade;
  • Facilitadores: Pessoas dedicadas, que coordenam as atividades e apóiam a comunidade a fim de atingir seus objetivos;
  • Patrocinadores: Os gerentes ou executivos que fornecem suporte, recursos materiais, incentivos e relações públicas à comunidade;
  • Suporte ao Gerenciamento: Pessoas que darão suporte aos recursos da comunidade. Poderão ser investidores da organização.

É importante observar que tanto os perfis que representam a estrutura social quanto os papéis dos participantes, podem ser sobrecarregados em um mesmo indivíduo. As estruturas das comunidades são flexíveis o suficiente para valorizar a contribuição pessoal, permitindo, frequentemente, que uma mesma pessoa aja em posições alternadas, assumindo diferentes perfis durante as interações.

Após a identificação da constituição e organização das comunidades, resta a observação sobre seu ciclo de vida, que pode ser caracterizado pelos seguintes estágios:

  • Potencial: Pessoas com mesmas necessidades se procuram e identificam o potencial para formar a comunidade;
  • União: A comunidade é formada com atividades voltadas a conhecer as necessidades dos membros;
  • Maturação: Membros começam a planejar direções, criar padrões e se unir em torno de atividades;
  • Assistido: A comunidade torna-se estável, com atividade contínua. Os membros mais envolvidos com a comunidade podem começar a assumir outras posições ou se distanciar.
  • Transformação: Pessoas deixam a comunidade quando esta não é mais útil. Novas pessoas ingressam e o foco muda levando a comunidade a um novo crescimento ou ao seu encerramento.

Nesse contexto, como pôde ser averiguado, as teorizações utilizadas para definir Comunidade de Prática encaixam-se perfeitamente nas constatações empíricas sobre a maioria das Comunidades de Software Livre existentes. Independentemente de suas origens o que se constata é que elas compartilham praticamente os mesmos conceitos e definições, por conta de sua natureza comum. Isso traz benefícios recíprocos, pois, a partir desse momento, torna-se mais fácil olhar para as Comunidades de Software Livre, entendê-las e obter melhores resultados em interações, de posse da teoria que fundamenta Comunidade de Prática, bem como, tem-se nas Comunidades de Software Livre um modelo referencial apropriado para a composição e fomentação de Comunidades de Prática. Mais uma vez, a prática e a teoria se complementam.