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O Pingüim toma o poder
Órgãos públicos encontram no código aberto a saída para ganhar eficiência com orçamentos curtos
Ler os e-mails, escrever um texto, trabalhar numa planilha, acessar a intranet. A rotina do pessoal administrativo do Serpro, o gigante serviço de processamento de dados do governo federal, é assim, como em qualquer empresa. O extraordinário é que 3 700 desktops, 75% do total de PCs do administrativo, rodam apenas programas de código aberto.
Por Lucia Reggiani - InfoExame
Mais precisamente as mais recentes versões do sistema operacional Linux Fedora (Core 4), da suíte de aplicativos OpenOffice.org, do navegador Firefox e de sistemas próprios.
O órgão que processa todo ano o nosso Imposto de Renda não tem o que reclamar da tecnologia que começou a adotar estrategicamente a partir de 2004. "O Serpro ficou dez anos sem investimento, estávamos sucateados, defasados tecnologicamente. Com o software livre, conseguimos acompanhar a evolução da tecnologia e aproveitar melhor nosso orçamento", afirma Deivi Lopes Kuhn, coordenador de migração de software livre. Em dois anos de substituição de programas proprietários para software livre, o Serpro deixou de gastar com 10 milhões de licenças. O dinheiro que iria para elas foi redirecionado para máquinas, treinamento, consultaria e suporte técnico. Em 2004, a economia foi de 5 milhões de reais, segundo Kuhn.
A estratégia do projeto de software livre no Serpro foi montada no final de 2003. "Estabelecemos áreas prioritárias e, dentre elas, as mais fáceis de iniciar a mudança. Por isso começamos pelo administrativo", diz o coordenador de migração. O primeiro passo foi eleger o OpenOffice.org como substituto do Microsoft Office nas máquinas com Windows. Depois, os formatos dos arquivos foram normatizados e só então houve a mudança de sistema operacional.
CONTRA RESISTÊNCIAS
A primeira etapa, completada no final de 2004, aproveitou a atualização do parque de estações de trabalho para substituir várias versões do Windows pelo Linux em 2992 PCs, todos com Fedora Core 2, navegador Mozilla e OpenOffice.org. No princípio, houve resistência dos usuários, mas as campanhas internas de conscientização e o ganho de novas funcionalidades foram quebrando o gelo devagar.
A segunda etapa, em 2005, passou a atacar 05 servidores, especialmente os de infra-estrutura de rede, que saíram de Novell para Linux. Foi criado um serviço de gerência próprio, para integrar os sistemas e gerar relatórios, e entrou em cena o Sagüi, uma ferramenta desenvolvida internamente para controlar a distribuição de software. Alguns bancos de dados foram portados para mySQL e Postgre. Só não são em maior número porque o Serpro faz interface com prefeituras, estados e outros órgãos de governo que usam os sistemas mais variados. "A migração é complicada porque desenvolvemos soluções para os clientes, temos de dar suporte em Delphi, por exemplo, não dá para ficar só no mundo livre". diz Marcos Meio, coordenador de subTI do projeto.
No momento, o Serpro prepara os legados para a migração, especialmente os bancos de dados Access isolados. Nos desktops, o filhote mais novo do projeto é o Carteiro, correio eletrônico que engloba vários programas abertos, como o servidor de colaboração Open-Xchange, o banco de dados postgre e o servidor de e-mails Postlix. No final de 2005, perto de 2 000 usuários já usavam o novo correio. A meta é fechar 2006 com todo o Serpro nessa solução, o que dá 9 000 usuários.
LINUX NO EXÉRCITO
Além de arrumar a própria casa, o Serpro leva sua experiência a outros órgãos de governo por meio da participação nos comitês de inclusão digital que tocam projetos como o do PC para Todos. Colabora na definição de padrões, presta serviços para estados e municípios montando telecentros e as Casas Brasil, espaços de inclusão social e digital que englobam telecentro e salas de aula.
Um dos maiores projetos em que o Serpro está envolvido é o da migração no Exército. No final de 2005. estava concluindo sua primeira etapa, com 60% das máquinas rodando software de código aberto. "O projeto prevê migrar 2 500 servidores e 30 000 desktops em mais de 700 unidades em todo o território nacional", diz o coronel Carlos Pereira Gil, gerente de software para o Exército.
Cerca de 1 000 técnicos do Exército estão envolvidos nesse projeto de migração, que pretende atingir 98% do usuários de TI. Por questões estratégicas, o desenvolvimento do software será feito internamente.
VIAGEM SÓ DE IDA
A adoção de software livre no governo federal é uma estratégia de Estado. A coordenação da migração é tarefa de Renato Martini, presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação ITI), vinculado à Casa Civil. "Nos últimos três anos, fizemos um trabalho de convencimento para mostrar aos técnicos do governo como o software livre é importante inclusive para reposicionar o país", diz Martini, que assumiu o posto em setembro passado.
No momento, o ITI realiza um levantamento sobre o uso do software livre na esfera oficial para poder definir melhor as prioridades, dado ao fato de a administração pública ser muito grande e heterogênea. "A Radiobrás, por exemplo, migrou o sistema de streaming e vídeo para código aberto. Temos clusters de servidores em Linux para a simulação de extração de petróleo na Petrobrás. E programas da Embrapa para o controle de produção de leite. A diversidade é muito grande", diz Martini.
Mas o reposicionamento não significa interrupção do projeto. "O software livre não é uma invenção do Brasil. Seu uso está em debate no mundo todo, não tem volta. O que nós estamos fazendo é buscar competência para o país. O Hemisfério Norte não vai dar nada para a gente, nós é que temos de ser criativos para não ficar para trás", afirma o presidente do ITI.
O GOVERNO ABRE O CÓDIGO
Se usar software livre faz bem para o caixa e a condição tecnológica do governo, abrir o código dos programas desenvolvidos por órgãos oficiais pode fazer mais bem ainda para a população. E é isso que está sendo feito. O Proinfo, programa de ensino a distância desenvolvido por técnicos do Ministério da Educação, terá seu código liberado para quem quiser usá-la. O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação OTO também coloca à disposição os programas de certificação digitai que criou para as transações seguras na internet. A Embrapa dá a sua contribuição aos agricultores e pecuaristas, liberando sistemas feitos por seus especialistas. Está na fila da abertura o cacic (Configurador Automático e Coletar de Informações Computacionais), um programa para diagnóstico de redes criado pela Dataprev que conta com uma comunidade de cerca de 3 000 pessoas dispostas a identificar os problemas mais comuns enfrentados pelos usuários, aprimorar a ferramenta e desenvolver novos módulos.
Para abrir o código, o ITI fez um trabalho de avaliação jurídica com a Fundação Getúlio Vargas para definir uma licença de uso irrestrita, mas que obrigue o usuário a compartilhar os aperfeiçoamentos feitos no original. Assim, o usuário pode ganhar dinheiro com o que inventar sobre os programas e o governo melhora seus sistemas de graça.
MICRO LIVRE NO METRÔ
A migração para o código aberto no governo tem um desbravador de peso na Companhia do Metropolitano de são Paulo - Metrô, uma empresa de economia mista em que o estado de são Paulo é o acionista majoritário. O software livre entrou por lá em 1997, quando a necessidade de equilibrar receitas e despesas espremeu um orçamento que já era magro primeiro foi o correio eletrônico, baseado em Linux e QMail, que hoje gerencia 7 500 contas de e-mail dos funcionários. Outra crise financeira levou Gustavo Uazzario I, gerente de TI do Metrô, a trocar o Microsoft Officeem 2001 pelo então gratuito 5tarOffice, agora substituído pelo OpenOffice.org. Hoje, o Metrô possui 2 400 micros com Windows rodando OpenOffice.org. A medida que as máquinas são substituidas por outras, mais novas, entra em cena o Micro Livre, com Linux distribuição Debian, intertace gráfica Dlanes, OpenOffice.org e Firefox, entre outros programas de código aberto.
"A troca das máquinas é estratégica. Quem tem pentium de 100 MHz só troca por um Pentium 4 de 2,8 6Hz se for com Linux", diz Mazzariol, que tenta assim vencer a resistência dos usuários. 5ua persistência tem uma boa razão. Desde que optou pelo código aberto, o Metrô tem economizado cerca de 3 milhões de reais por ano, incluídas ai as licenças de aplicativos de escritório, bancos de dados e correio.
Fonte: InfoExame
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