Henri_jenkins_250x250O pesquisador e professor Henry Jenkins pensa e trabalha em rede. Seu conhecimento e habilidade para ser “uma bússola num turbulento mar de transformações” – como escreveu sobre ele o roteirista transmidiático Mark Warshaw – o posicionam como interseção de uma extensa teia de pensadores que investigam o mundo da comunicação.

Fundador e diretor do programa de Estudos de Mídia Comparada (CMS) do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Jenkins está à frente também do Convergence Culture Consortium (C3), instituição facilitadora de relações entre a pesquisa acadêmica e a indústria de mídia.

Entre as parcerias do C3 está a empresa The Alchemist, cujo ramo no Brasil tem como chief storytelling officer Mauricio Mota, autor de nota da edição brasileira do livro ‘Cultura da Convergência’ (Ed. Aleph, 2009), obra de Jenkins que traça os pontos em que as passivas mídias tradicionais colidem com as atuais, muito mais interativas e participativas. “Em um mundo transmídia, cada consumidor está apto a ter um mix diferente de conhecimento a respeito de um projeto compartilhado, porque cada um vai consumir diferentes partes de um todo”, explica Jenkins.

Na entrevista a seguir, integrante de uma das reportagens da próxima edição da revista Comunicação 360°, que abordará o tema ‘Comunicação 2020’, conheça um pouco mais sobre o trabalho de quem se dedica a compreender como atuam as mensagens midiáticas espalhadas ao longo de uma cadeia híbrida de comunicação.


Nós da Comunicação – Em seu post de estreia no ‘Cultura da Convergência’, versão em português do seu blog, você se mostra entusiasmado com o potencial de influência cultural que o Brasil pode exercer no campo midiático digital. O que o leva a ter esta opinião?
Henry Jenkins –
Destaco dois fatores principais: primeiro, o Brasil está prestes a chamar a atenção global por causa dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo. Vimos outros países aproveitarem essas ocasiões para transformar a maneira como o mundo os vê e reinventar sua imagem internamente. A China, outra nação do BRIC, usou ao máximo as Olimpíadas e a Expo Shanghai para mudar a percepção internacional sobre o país. No caso do Brasil, além de uma vibrante cultura popular, há uma cultura digital emergente que parece pronta para conquistar o mercado global e, em particular, nos ensinar como viver de forma mais ‘verde’ e como construir uma sociedade multicultural. A cultura se espalha quando se comunica com as necessidades do público e, nesse caso, o Brasil tem algo a dizer.

Em segundo lugar, creio que a cultura digital representa a aplicação de uma lógica de cultura popular com o conteúdo da cultura de massa. Pense nisso como tese, antítese e síntese. Em outras partes do mundo, a cultura de massa tritura a cultura popular; no Brasil, a cultura popular continua a ser uma parte ativa da vida cotidiana das pessoas. Isso quer dizer que o país irá gerar um tipo diferente de cultura digital, dada a longa história de práticas participativas? Certamente podemos ver ricos exemplos de como a mídia digital está integrada ao samba e ao carnaval, dentro de um conceito de economia de dádiva (gift economy) e vida em comunidade. 

Nós da Comunicação – Como o uso de diferentes plataformas de mídia pode contribuir na construção de uma perspectiva melhor para a educação, o entretenimento e a própria cultura?
Henry Jenkins –
Vamos começar com uma distinção básica entre multimídia e transmídia. Multimídia remete aos primeiros experimentos em cd-rom, por exemplo, em que podemos integrar texto, som e imagens em uma única experiência de entretenimento ou de ‘eduentretenimento’. Tudo que o usuário tem de fazer é clicar no botão. Assim, enquanto isso amplia a gama de diferentes meios de comunicação que podemos acessar e a maneira de acessá-los, não muda muito o relacionamento do espectador com esse conteúdo.

Transmídia, por outro lado, refere-se à dispersão de informações e experiências em diversas plataformas de mídia, e conta mais com o consumidor para rastrear esses bytes e integrá-los de modo mais significativo. À medida que avançamos para o iPad, que promete uma experiência mais integrada, nos movemos para trás em direção ao mundo da multimídia. Em um mundo transmídia, cada consumidor está apto a ter um mix diferente de conhecimento a respeito de um projeto compartilhado, porque cada um vai consumir diferentes partes de um todo. Isso permite um contexto em que usuários comparam seus conhecimentos por meio de suas redes sociais, ensinando uns aos outros o que precisam saber para compreender completamente o conjunto.

Em termos de domínio cultural, a transmídia nos permite criar uma experiência mais rica, mais profunda do que a expressa por um único meio. No caso da educação, essa atividade de pesquisa e organização da informação, capacidade de resolver problemas e desenvolvimento de habilidades de colaboração serão as competências-chave para atuarmos no século 21.

Nós da Comunicação – A tecnologia transforma a cultura ou a cultura está mudando a tecnologia?
Henry Jenkins –
Ambos. As tecnologias têm sido desenvolvidas, ou pelo menos previstas, muito antes de serem dispersas e integradas à cultura. Por exemplo, o telefone com imagem vem sendo discutido desde o início do século 20, mas só com o Skype, e outros programas de conferência via web, chegamos a um ponto significativo de pessoas que passaram a adicionar o vídeo às suas telecomunicações. Há, portanto, uma triagem que ocorre quando a cultura apenas incorpora tecnologias quando está pronta para isso, as redefinindo para atender às necessidades, muitas vezes inesperadas, criadas pelas pessoas.

Thomas Edison enxergou o fonógrafo apenas como um gravador. Só tardiamente o aparelho foi pensado como uma plataforma de entretenimento doméstico. Ao mesmo tempo, porém, as tecnologias podem fazer algumas possibilidades mais visíveis, transformar algumas coisas mais fáceis de fazer e, com isso, proporcionar que mais pessoas tenham capacidade de fazê-las. Muitas vezes, o segredo é olhar para os que mais cedo fazem adaptações das tecnologias – tarefa mais difícil – porque são eles que apontam para o que a maioria das pessoas vai fazer quando isso chegar ao ponto de parecer fácil.

A web não teria a forma atual se não houvesse muitas pessoas que procuravam uma plataforma pela qual eles poderiam se conectar facilmente com amigos e familiares, se não quisessem participar mais ativamente da sua cultura ou se não tivessem interesse em produzir e compartilhar informações etc. A criação da web acelerou a rotatividade econômica e cultural porque suas características nos dão controle sem precedentes sobre a habilidade de produzir e fazer circular cultura.

Nós da Comunicação – Como o desenvolvimento de uma linguagem transmídia pode impactar as formas de contar boas histórias a consumidores, pensar e planejar produtos e campanhas. Como funciona o Convergence Culture Consortium (C3)?
Henry Jenkins –
O Convergence Culture Consortium, que estamos em processo de renomear como Futures of Entertainment Consortium, é uma tentativa de construir pontes entre a pesquisa acadêmica e a indústria de mídia. Nosso foco principal tem sido incentivar as empresas a ouvir mais atentamente e respeitar suas audiências nesse momento em que os consumidores estão tendo maior controle sobre o processo de comunicação. Uma vertente fundamental da nossa pesquisa é compreender como atuam as mensagens midiáticas espalhadas ao longo de uma cadeia híbrida de comunicação, que envolve transações comerciais e não-comerciais, em um cenário de forças empresariais ‘top-down’ e também de forças populares que atuam de baixo para cima.

Nessa discussão para entender como a mídia se espalha, estamos chegando às mesmas práticas descritas como meios de comunicação do tipo viral, mas essa palavra não cria uma boa metáfora, ela desvaloriza tanto o conteúdo quanto os contextos em que ela se espalha. O termo ‘viral’, na melhor das hipóteses, mistifica o processo pelo qual se espalha essa mídia e, muitas vezes, constrói um modelo que não respeita ou reconhece a atuação dos consumidores que escolhem o que e com quem vão compartilhar esse conteúdo. Essa metáfora, portanto, não nos prepara para os conflitos típicos da web 2.0 criados em torno da ‘pirataria’, do conteúdo gerado por usuários, de atividades criativas produzidas por fãs e da cultura participativa em geral, porque não admite a ideia de que parte do valor da propriedade intelectual é construída durante o processo de consumo e não por meio das ações dos produtores de mídia.

Nós da Comunicação – Uma das características da mídia digital é que ela fortaleceu um senso de comunidade. Esse novo modo de pensar em rede e de agir de forma mais participativa, mesmo que seja via web, nos faz mais otimistas quanto a um futuro de relações mais sustentáveis?
Henry Jenkins –
Sim. Embora as redes sociais possam ser usadas de formas socialmente destrutivas, elas, de modo geral, reforçaram as comunidades humanas, principalmente no que diz respeito à mobilidade, uma característica da experiência moderna. Estou respondendo a esta entrevista em um aeroporto esperando por um vôo atrasado. Minha esposa e filho, por exemplo, também estão longe de casa. Ele está começando um trabalho do outro lado do país. Modelamos entre nós dois tipos de mobilidade que no passado já romperam com comunidades: mobilidade de longo prazo, que afasta as pessoas dos lugares onde nasceram, prejudicando assim as relações com família e amigos; e também as viagens temporárias que, entre um ponto e outro, nos roubam dias e horas do nosso tempo com entes queridos.

Sites de redes sociais, por outro lado, estão nos permitindo redescobrir amigos cujos contatos foram perdidos há muito tempo e possibilitando um relacionamento regular, mesmo em um nível bem casual como no Facebook. São uma forma mais barata e fácil de permanecermos conectados. Creio que isto significa que devemos investir mais em nossas relações sociais, porque elas não são temporárias e descartáveis, e podem durar uma vida inteira.

Nós da Comunicação – Um dos vídeos da popular série ‘Did you know?’ revela que em 2010 as dez profissões mais procuradas não existiam em 2004. Na área de comunicação, que profissões serão valorizadas em 2020 e por quê?
Henry Jenkins –
Todas as profissões contemporâneas são profissões de comunicação; e todas estão tendo maior controle sobre a construção de suas próprias imagens e interface com seus públicos. Mas certamente haverá novos conhecimentos em torno das comunicações. Por exemplo, o antropólogo Grant McCracken propôs que as empresas introduzam a figura do CCO (Cultural Chief Officer) em suas diretorias como uma forma de monitorar e responder rapidamente às mudanças de cultura nas organizações. Se as companhias fizessem isso, criariam muito mais empregos para quem tem formação em Ciências Humanas. Mas, além disso, todos os funcionários em todos os níveis, têm de descobrir como eles podem e devem utilizar suas expandidas capacidades de comunicação de nossa era, a fim de melhorar o seu desempenho no trabalho.

Nós da Comunicação – Em um período de dez anos, como você vislumbra o futuro da mídia e do entretenimento? Quais os cenários e desafios na área de comunicação em 2020?
Henry Jenkins –
É difícil fazer previsões específicas, porque em um mundo de mudanças tão rápidas e dispersas, uma década poder ser uma vida inteira. Mas podemos ver algumas tendências gerais em relação à cultura, que aponta para maior participação, maior diversidade e maior capacidade de comunicação. Os principais desafios estarão relacionados aos termos de nossa participação na web 2.0 e como ela se tornou um campo de batalha entre os direitos de mídia na opinião de produtores e de consumidores.

Serão lutas legais em termos de propriedade intelectual, econômicas em termos de negócios justos, educacionais em relação ao acesso às habilidades necessárias à participação, culturais no que diz respeito à forma como lidamos com a diversidade global e também sociais em relação ao desenvolvimento da ética nas comunidades on-line.

Nós da Comunicação – Em uma entrevista concedida durante sua passagem pelo Brasil, você disse que os jovens são os primeiros a se adaptar às tecnologias e práticas culturais emergentes. Em que aspectos a juventude de 2020 vai ser diferente da atual?
Henry Jenkins –
Realmente não sabemos; apenas que SERÁ diferente. Os jovens sempre procuraram se diferenciar dos pais por meio de sua apresentação pessoal e práticas culturais. Eles se vestem, falam e agem de maneira diferente em busca de sua própria identidade. Eles também procuram espaços onde suas atividades não serão policiadas, onde terão algum grau de autonomia. Como resultado, eles estão envolvidos em um processo de experimentação e inovação constantes. Quaisquer alterações que ocorrem no nível da cultura e da tecnologia começam a ser divulgadas a partir dos jovens.

E também sabemos que seja o que for que estejam fazendo, irão levar os adultos a um estado de pânico, porque não estamos preparados para entender e aceitar. Essa turbulência entre gerações é conduzida através e ao redor da tecnologia cultural. A natureza cíclica desses conflitos deve nos fazer parar para pensar antes de entrarmos em pânico moral e nos perguntar se há algo que está acontecendo aqui que não compreendemos.

 

Christina Lima