Fanáticos por seriados estrangeiros — entre eles, os famosos Lost, Heroes e C.S.I. — fazem de tudo para ter em mãos a próxima temporada. Na busca pelo último capítulo, aventuram-se em sites de distribuição dos episódios, baixam o conteúdo, as legendas e dividem tudo com outros internautas brasileiros.

Essa cooperação toda, no entanto, é motivo de polêmica entre, de um lado, os defensores do direito autoral; e, do outro, os militantes da internet como espaço de compartilhamento de arquivos. Mas a ânsia para acessar em casa os mais recentes lançamentos pode acabar gerando problemas para os usuários.


No Brasil, a lei que regula o assunto é a mesma que busca proteger o direito autoral em outras instâncias. “Essa proteção independe da mídia utilizada, ela visa resguardar a obra como um todo”, esclarece Luiz Henrique de Souza, especialista em direito digital e autoral da PPP Advogados. O crime está previsto no artigo nº 184 do Código Penal Brasileiro e existe mesmo que não haja lucro na distribuição do conteúdo.

Há duas semanas, um casal que administrava o site Brazil Series foi preso e enquadrado por violação de direito autoral. No caso da dupla, que exibia banners publicitários na página, havia o objetivo de ganhar dinheiro com a ferramenta. Se condenados, podem pegar de dois a quatro anos de cadeia.

A prisão do casal ocorreu após denúncia da Associação Antipirataria de Cinema e Música (APCM), entidade que monitora o conteúdo ilegal distribuído na rede. O gerente jurídico e operacional da APCM, Edner Bastos, afirma que esse tipo de prática foi responsável pelo fechamento de 5 mil videolocadoras nos últimos anos e pela extinção de mais de 20 mil postos de trabalho. “O Brasil perde milhões em impostos e a população sofre em todas as áreas. Além disso, perde a indústria do cinema e da música e toda a cadeia produtiva derivada dessa indústria — o artista, os produtores e os próprios consumidores, que terão menos lançamentos”, diz Edner.

Mesmo com essa realidade, especialistas da área afirmam que há um conflito entre a demanda dos consumidores e o que a indústria de cinema e música pode oferecer. “As séries são feitas para gerar expectativa e fidelidade no telespectador. Mas as empresas não estão preparadas para entregar esse conteúdo na velocidade necessária. É natural, então, que a pessoa vá procurar as novas temporadas em sites dos Estados Unidos, por exemplo”, observa o advogado Luiz Henrique de Souza.

O roteirista Octávio Mendes, 28 anos, é um dos consumidores vorazes que defende a flexibilização da lei brasileira. “Gosto das séries House, Entourage, Hung e vejo tudo pela internet, praticamente ao mesmo tempo que o pessoal dos Estados Unidos. Os episódios chegam ao Brasil muito depois de serem lançados por lá e já estão dasatualizados”, conta o jovem. O analista de sistemas Frederico Rodrigues Vale, 24 anos, acredita que a legislação deveria proibir apenas a revenda do conteúdo disponível na rede. “Se eu baixo um filme ou uma música é porque alguém, na ponta dessa linha, comprou o DVD ou o CD, ou seja, está divulgando o trabalho dos produtores”, afirma Frederico.

Briga

Para Luiz Henrique de Souza, o mercado precisa se adaptar às novidades da tecnologia. “As novas gerações não estão mais interessadas em pagar por esse material e, muitas vezes, estão dispostas a consumi-lo até em menor qualidade, desde que mais rapidamente”, observa o especialista. Assim, os usuários mais assíduos das ferramentas de download e compartilhamento acabam fazendo da web um canal para a divulgação de produtos culturais. Frederico Vale, por exemplo, costuma baixar de dois a três filmes por semana em seu computador. “É isso que vai definir se eu vou ao cinema ou não, se vou comprar o DVD original mais tarde. Sempre acabo adquirindo filmes nacionais”, afirma o rapaz.

Octávio Mendes concorda com Frederico. “As emissoras não deixam de ganhar dinheiro com a internet. Pelo contrário. Vendem bonés, camisetas e uma série de produtos com a marca de determinada série. Todo mundo acaba comprando as coisas de que realmente gosta”, diz Octávio. O professor Sérgio Amadeu, da Universidade Federal do ABC Paulista, afirma que a rede é hoje a melhor forma de divulgar CDs, livros e filmes. “A internet não destrói a indústria. O problema é que o modelo de negócio não está acompanhando as práticas sociais e tecnológicas do nosso tempo”, aponta.

Sérgio, que é especialista em cybercultura, abordou o assunto(1) no 11º Fórum Internacional do Software Livre, que terminou este fim de semana em Porto Alegre. O professor explica que as características da rede permitem a cópia e o compartilhamento de conteúdos sem desgaste no material original. “Nós conseguimos aumentar a velocidade dos processadores e da banda. Fizemos com que tudo — vídeo, som e imagem — possa ser acessado de uma única máquina. Agora olhamos para o mundo e dizemos: ‘Não copiem’. Isso é uma esquizofrenia”, critica.

1 - Para todos

O professor Sérgio Amadeu falou sobre o compartilhamento P2P (pair to pair, na sigla em inglês). Isso ocorre, por exemplo, quando o usuário compra um CD e compartilha as músicas com seus amigos na internet. A prática é defendida pelos militantes do software livre, mas considerada pirataria no Brasil.

O professor Sérgio Amadeu, da Universidade Federal do ABC Paulista, é especialista em cybercultura e militante do software livre. Participou do 11º Fórum Mundial do Software Livre, que terminou no último fim de semana em Porto Alegre. Sérgio falou ao Correio sobre a condenação de hábitos inerentes à rede mundial de computadores. Leia:

O senhor falou em Porto Alegre sobre P2P. O que é isso?
P2P significa pair to pair, de par para par. É quando, por exemplo, uma pessoa compra um CD, coloca as músicas no computador e as distribui para sua rede de amigos. Isso é considerado pirataria. O termo pirataria é antigo, daquela época em que um navio encostava no outro para roubar suas mercadorias. Pirataria é coisa de bandido. Na era da economia da informação, a gente trabalha com metáforas interessantes como essa, só que são exageradas.

Exageradas por que?
Isso hoje é uma disputa de interpretação. O que é a rede digital? É um sistema que permite a cópia sem a destruição e o desgaste do material orginal. Tudo é transformado em bits, em "zeros e uns". A rede usa o computador, uma máquina que processa a copia instruções. A base de toda a rede é a cópia de instruções, de dígitos. Aí nós aumentamos a velocidade dos processadores e da banda larga. Fizemos com que tudo — vídeo, som e imagem — fosse ser acessado de uma única máquina. Agora olhamos para o mundo e dizemos: não copiem. Isso é uma esquizofrenia.

Qual o problema na sua opinião?
O modelo de negócio deveria acompanhar as prátícas sociais e tecnológicas do nosso tempo. Nos anos 1970, eu tinha um aparelho três em um, que era rádio, vinil e fita cassete. A gente copiava do vinil para a fita, do rádio para a fita e não houve ninguém dizendo que isso era pirataria. Hoje é a mesma coisa. Existem exageros e tentativas de anular o que a rede permite, que é o compartilhamento de arquivos.

Mas isso não acaba prejudicando a indústria do cinema e da música?
Isso não destroi a indústria, pelo contrário. A rede é o melhor jeito de divulgar os livros, filmes. O grupo O Teatro Mágico, por exemplo, tem músicas de sete, oito minutos de duração. Como isso não toca na rádio, eles permitem a cópia das músicas direto do site e isso é o que divulga o trabalho deles. Eu acho que os conservadores querem enquadrar o mundo de hoje em uma lógica da era analógica. As empresas tem que se adaptar. As bandas e os produtores também. Tudo que as pessoas estão querendo evitar vai contra a natureza técnica da internet.
Por Carolina Vicentin