Ontem (31/3) foi o Dia Mundial da Liberdade dos Documentos. Este dia foi criado para alertar usuários de computadores, empresas e governos para o fato de que produzem e arquivam uma quantidade imensa de informação em formatos eletrônicos. E que se esses dados forem salvos, guardados em formatos que podem ser lidos apenas por determinado software, de apenas um desenvolvedor, toda essa informação pode se perder.

Você recebeu um arquivo .doc e não consegue abrir. Ou um .ppt. Ou .dot. Ou tem arquivos em versões antigas do .doc, que as versões atuais de software não abrem mais. E os .cdr velhos, do Corel? Todos esses são formatos proprietários. São como celulares que só aceitam carregadores de seus fabricantes. Ou como se para cada marca de carro fosse necessário um pneu específico, com roscas de tamanho diferente. Os padrões existem para que as pessoas possam usar objetos ou ter acesso a informações sem se tornarem presas a um determinado fabricante. É o mesmo no mundo do software: se todos usarem formatos e padrões livres, um documento criado em determinado ambiente pode ser lido em qualquer outro.

Formatos abertos como o ODF (Open Document Format, ou Formato Aberto de Documento) para textos, planilhas e apresentações ou Ogg Vorbis para música podem ser lidos e gravados por muitos aplicativos. Seus usuários têm liberdade de escolha. Os formatos abertos de documentos garantem que suas informações não se tornem lixo digital cada vez que você fizer um upgrade ou mudar de software. Além disso, quem garante que o software que você usa hoje vai existir daqui a 15 anos?

Para comemorar o Dia Mundial da Liberdade dos Documentos, ARede fez uma entrevista com Jomar Silva, representante da ODF Alliance no Brasil – um dos países com maior número de usuários de ODF do mundo. Veja abaixo:


ARede - Como o Brasil vem contribuindo para ampliar o uso de formatos e padrões livres nos documentos?

Jomar Silva - O Brasil é um dos países que conta hoje com o maior número de usuários de Open Document Format (ODF) no mundo todo (em números absolutos), e este número está crescendo cada vez mais.

Se pegarmos apenas os signatários do Protocolo de Brasília, documento onde empresas e organizações se comprometem a adotar o ODF como formato padrão para documentos eletrônicos editáveis, já chegamos na casa dos 3 milhões de usuários. É importante ainda destacar que a comunidade brasileira do BrOffice é também uma das maiores e mais ativas do OpenOffice no mundo todo.

O que mais me deixa contente nisso tudo é ver que usuários leigos já estão usando o ODF há muito tempo, e alguns sem saber disso. Muitos fabricantes de computadores tem instalado o BrOffice nos seus equipamentos novos (Windows e Linux) e com isso os usuários acabam fazendo a migração sem perceber que fizeram.

Além de ser um grande usuário de ODF, o Brasil ainda participa do seu desenvolvimento. Sou membro do OASIS ODF TC, e temos um grupo de brasileiros que trabalha na ISO (SC34 - JTC1) tratando da manutenção do ODF por lá. Estivemos na semana passada em Estocolmo, na Suécia, em uma reunião da ISO tratando exatamente disso.

ARede - Dá para usar formatos livres mesmo que eu tenha, em meu telecentro, trabalho ou em casa, software proprietário?

Jomar - Eu costumo brincar com as pessoas dizendo que usar padrões abertos é respeitar os Direitos Humanos, enquanto que utilizar software livre é uma questão de higiene pessoal :) Você pode sim utilizar padrões abertos em qualquer tipo de software: livre, proprietário e até marciano, se um dia desenvolvermos software em Marte.

Como exemplo prático disso, temos o OpenOffice (que no Brasil se chama BrOffice por uma questão de registro de marcas), que é suportado em Windows, Linux e Mac. Temos ainda serviços como o Google Docs que suporta ODF e podem ser acessados de qualquer coisa conectada a Internet. Para dar uma ideia melhor, eu tenho usado o Google Docs através de telefones celulares (smartphones) já há algum tempo.

Os padrões abertos são fundamentais nestes cenários de sistemas híbridos (livre e proprietário) e de plataformas tão diferentes (PC, mobile, web, cloud, etc.). Sem os padrões abertos, isso tudo vira uma Torre de Babel.

É importante lembrar a todos que a Internet só pode ser acessada por tudo quanto é dispositivo e sistema existente hoje por ser totalmente baseada em padrões abertos, como o protocolo TCP/IP e os padrões W3C.

ARede - O debate sobre documentos livres é uma coisa importante somente para entendidos em tecnologia?

Jomar - Não. Ele é importante para toda e qualquer pessoa que tenha a necessidade de armazenar informações. Aliás, no passado o debate sobre formato de documentos foi entregue apenas aos técnicos e às empresas de tecnologia e o resultado foi o que todos vimos: Um conjunto de padrões proprietários que não interoperavam, uns sempre tentando comer os outros até que um único padrão, desenvolvido e mantido por uma única empresa, prevaleceu. Quem pagou a conta desta bagunça foram os usuários (aliás, ainda pagam esta conta).

Por isso que o desenvolvimento do ODF leva sempre em consideração as reais necessidades dos usuários, e não os interesses comerciais das empresas envolvidas no seu desenvolvimento. Basta olhar para esta lista de empresas e fica fácil entender isso, pois temos ali IBM, Novell, Sun (que Deus a tenha), Oracle e Microsoft (para citar apenas as maiores empresas de tecnologia do nosso comitê. Alguém aí já viu todos estes caras sentados à mesa se entendendo ?).

Em um processo aberto de desenvolvimento, onde todos acompanham passo a passo pela internet tudo o que fazemos, fica mesmo muito difícil para alguma empresa colocar a sua agenda oculta em jogo. Para te dar um exemplo desta transparência, a última novidade que temos no ODF TC para simplificar o acompanhamento de nosso trabalho pelas pessoas é uma conta no Twitter que posta automaticamente uma mensagem cada vez que algum membro do comitê faz algum comentário no sistema que usamos para acompanhar o desenvolvimento da especificação. Para quem quiser acompanhar este trabalho, basta seguir o ODFJIRA no Twitter.