38 Software livre sim, mas não exclusivo

Conferência em Buenos Aires debate papel do serviço público na difusão dos programas de código aberto e saúda Marco Civil brasileiro sobre acesso à internet

Por Envolverde/IPS

 

Em diferentes velocidades, os países latino-americanos vão incorporando o software livre, que lhes permite maior independência sem custos de licença. Contudo, o caminho apresenta desafios. Na Conferência Internacional de Software Livre (CISL 2011), realizada na semana passada em Buenos Aires, uma forte polêmica colocou frente a frente defensores do uso exclusivo de software livre no setor público e os que ainda apoiam o sistema privado.

A disputa foi em torno do programa Conectar Igualdade, implantado pelo governo da presidente argentina Cristina Fernández no ano passado, que já entregou 1,1 milhão de computadores portáteis a alunos de escolas secundárias públicas. A meta é chegar a três milhões, incluindo os 200 mil professores, aos quais foi oferecido curso de capacitação para lidar com a ferramenta na sala de aula. A entrega é em comodato até que o aluno finalize seus estudos. Esses computadores estão dotados com dois sistemas operacionais – o Linux, desenvolvido dentro do movimento de software livre, e o Windows, da Microsoft, seu rival no âmbito privado. O usuário deve optar.

Em conversa com a IPS, o norte-americano Richard Stallman, fundador do Movimento Software Livre, em 1984, e um dos programadores que participaram do desenvolvimento do sistema Linux, criticou duramente a decisão do governo de dar a opção. “O programa incorpora software livre, mas isso não muda muito porque depois, nas aulas, exige-se o uso do Windows, e então, na prática, o que fazem é aumentar o número de pessoas que depois ficarão dependentes da Microsoft”, afirmou.

Stallman, que foi técnico do Instituto de Tecnologia de Massachussets em seu país, em meados da década de 1980, liderou uma comunidade que trabalhou no desenvolvimento de um sistema aberto, o GNU, que foi a base para a criação do Linux. Em 1991, sobre os conhecimentos desenvolvidos para o GNU, que estavam disponíveis, o finlandês Linus colocou a peça que falava e assim surgiu o Linux, que Stallman considera que deveria se chamar GNU-Linux.

Para este especialista e ativista, não se trata de um problema de crédito, mas de filosofia. Linus prefere falar de “fonte aberta” e ele é um militante da liberdade absoluta em todo o processo de criação, desenvolvimento e uso dos programas. Stallman e seus seguidores dizem que uma pessoa deve ter a liberdade não só de usar o programa sem pagar licença, como também de conhecer os códigos com os quais foi feito, modificá-los para melhorar, e usar o programa transformado.

Nada disso pode ser feito com os sistemas da Microsoft, que mantém suas fórmulas em segredo e vende as licenças para que cada computador, de uso privado ou do Estado, pague pela utilização e manutenção. No caso da Conectar Igualdade, Stallman não acredita que seja apenas uma questão econômica que o Estado deve considerar, mas também a filosofia que se transmite a um estudante que é impedido de conhecer como é feito o sistema que vai usar.

Sua posição foi rebatida no encontro em Buenos Aires por representantes do programa governamental argentino, que defenderam a liberdade de deixar que cada professor ou aluno decida qual suporte prefere, e negaram represálias sobre os que apagarem o Windows de seus computadores.

O argentino Javier Castrillo era professor em uma escola estatal onde se usava Linux e agora é coordenador da Equipe de Acompanhamento e Avaliação do Programa Conectar Igualdade. Já visitou 470 centros de ensino desde 2010. “Os professores são capacitados nos dois sistemas, mas naturalmente há maior uso da plataforma privativa, como ocorre no mercado, é como uma inércia que os leva a continuar com o que já conhecem”, disse Castrillo à IPS

Castrillo, que também treina professores no contexto da CISL 2011, definiu-se como “militante do software livre” que usa apenas os programas de código aberto, mas defendeu que cada colega faça sua opção. “Às vezes, depende de qual roda melhor em uma escola, outras vezes preferem o Linux por não ter vírus, e há os que, como eu, acreditam que se deve usar o software livre, mas isso é algo que se decide no processo de aprendizagem”, afirmou.

Para Stallman, a incorporação do Windows foi uma oportunidade perdida para a difusão do software livre. Esses estudantes agora têm acesso gratuito, mas depois terão de pagar por um uso ao qual já estão acostumados, afirmou. Da conferência participaram também outros especialistas regionais e internacionais que destacaram as aplicações de diferentes programas desenvolvidos com a mesma filosofia libertária, utilizados em níveis público e privado.

Entre eles, o também norte-americano Chris Hofmann, da Fundação Mozilla, desenvolvedor do navegador Mozilla Firefox que compete com força com o Explorer da Microsoft e tem mais de 400 milhões de usuários no mundo. Hofmann disse à IPS que há alguns anos o Explorer dominava 99% dos computadores, e atualmente a proporção caiu para 49%, e continua diminuindo, enquanto os demais usuários se dividem entre Mozilla e outros navegadores livres.

Também esteve presente o brasileiro Marcelo Branco, defensor destas tecnologias que liderou a campanha nas redes sociais para a chegada de Dilma Rousseff ao governo, baseada em plataformas livres. “No Brasil, o governo avançou muito no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, e agora a presidente enviou ao Congresso um projeto sobre uso de internet que é quase perfeito, mas os avanços são contraditórios”, disse à IPS. Em algumas pastas se avança mais e em outras é mais lento, explicou.

Algo parecido ocorre em toda a região. Stallman destacou que no Equador e na Venezuela houve uma decisão em nível presidencial para se passar exclusivamente a este tipo de software e disse que há interessados também nos demais países. A Argentina está incorporando o software livre em sua estrutura estatal, embora o chefe de gabinete, Aníbal Fernández, que participou da abertura da conferência, admita que nas províncias a incorporação esteja pendente.

Além da incorporação do Linux e de outras aplicações nos computadores do ensino secundário, o Estado argentino baseou em tecnologias livres o desenvolvimento de programas para a elaboração de documentos de identidades nacionais e passaportes.

 

fonte:  http://ponto.outraspalavras.net/2011/09/14/software-livre-sim-mas-nao-exclusivo/