O fundador da Free Software Foundation e autor original da sua definição de liberdade de software dedicou um artigo a explicar por que o Android não se qualifica para o conceito.

O sistema Android é frequentemente visto e descrito como a plataforma livre que deu certo nos dispositivos móveis, ou como o representante do movimento livre neste mercado em expansão.

Mas também é comum ver publicadas análises e contrapontos sobre a extensão desta comumente afirmada liberdade e abertura, levando a discussões acaloradas baseadas em interpretações diferentes sobre os conceitos envolvidos.

Um argumento baseado na autoridade geralmente é considerado fraco, mas ouvir o autor de um conceito aplicar sua definição a uma questão como esta certamente ajuda a esclarecer dúvidas sobre a interpretação.

Foi assim que compreendi a manifestação de Richard Stallman neste longo artigo do Guardian: um esclarecimento dado a quem se importa com o conceito de liberdade de software e tem interesse em saber como se aplica (ou não) à plataforma Android.

Conhecendo o licenciamento do Android

Não é incorreto dizer que o código do Android, ao menos em sua absoluta maioria, está sob licenças livres e de código aberto. A questão (que veremos a seguir) é se este código licenciado é oferecido ao público ou não.

A imagem abaixo, cuja versão original em tamanho grande você encontra na Wikipedia em inglês, mostra uma visão simplificada das camadas da plataforma Android, bem como os principais componentes de cada uma delas.

Note que uma versão especial do kernel Linux serve como a base (em vermelho) na qual se assenta a camada azul de bibliotecas (muitas delas presentes também em outros sistemas, como o WebKit, o SQLite e o FreeType) e o runtime, incluindo a máquina virtual Dalvik. Acima destes vem o framework de aplicações (com gerenciadores para janelas, telefonia, serviços de localização, notificação, pacotes, etc.) e as aplicações propriamente ditas: navegador, contatos, etc.

A camada do kernel, em vermelho, está sob licença GPL, livre, de código aberto e copyleft, que exige a integral disponibilização do código-fonte sempre que o executável for distribuído. A decisão de adotar esta licença foi tomada por Linus Torvalds em 1991, e tem o efeito prático de impedir que fabricantes criem sua própria versão particular do kernel e não disponibilizem imediatamente ao público em geral (inclusive a seus concorrentes), no momento em que lançarem seus produtos, o conjunto das melhorias que fizeram.

Todas as demais camadas estão sob uma variedade de licenças, em sua ampla maioria também livres e de código aberto, e na qual predomina a licença Apache. A escolha da licença Apache para os componentes desenvolvidos pelo próprio Google certamente considerou que esta licença, embora também livre, não tem a mesma restrição quanto a modificações internas de um fabricante que jamais sejam distribuídas ao público.

Uma resposta definitiva: o Android 3.x não é livre

Esta diferenciação em camadas torna-se importante para compreender a análise efetuada por Richard Stallman sobre o Android 3.0 e 3.1.

No que diz respeito à camada vermelha do diagrama acima (o kernel Linux), o Google não tem nenhuma opção legal a não ser oferecer ao público o código-fonte correspondente a cada versão do sistema que distribuir – a licença dada a ele por Linus Torvalds assim exige,

Quanto a todo o restante… o Google tem escolha, e no que diz respeito ao Android 3.0 e 3.1, presentes em produtos que já estão no mercado, como o tablet Xoom, da Motorola, a escolha do Google foi clara: nada de código-fonte disponível para o público. E esta posição é oficial: o Google confirmou em maio que não vai disponibilizar os fontes do Android em suas versões 3.0 e 3.1.

Assim, segundo a definição de software livre da Free Software Foundation, e pela análise de seu fundador Richard Stallman de que os executáveis estão em poder do público mas o código-fonte correspondente não está, a conclusão é que “o Android 3, exceto quanto ao Linux, é software não-livre, puro e simples”.

E as demais versões do Android?

Sabe-se que estão publicadas árvores de código-fonte mais completas das versões 2.x do Android, e que (até o momento) o código-fonte da próxima versão (denominada Ice Cream Sandwich) é tão restrito quanto o do Android 3.x, embora o Google tenha declarado que em algum momento irá oferecê-lo.

Mas o artigo de Stallman também afirma que a plataforma Android conforme vem embarcada em smartphones e tablets disponíveis ao público vem acompanhada de uma série de aplicativos e bibliotecas não-livres embutidos nela no mesmo ato e pelo mesmo desenvolvedor, e que mesmo os componentes das versões 2.x com fontes disponibilizados pelo Google podem ser modificados pelos fabricantes, e estes não revelam os fontes das suas próprias modificações – duas maneiras distintas que afetam a avaliação do software incluído em cada produto quanto a ser ou não livre.

Ele levanta, para depois afirmar ter a expectativa de que não seja este o caso, a possibilidade de que a disponibilização do código-fonte de algumas versões do Android ter ocorrido apenas como uma forma de angariar apoio a um produto destinado a ser proprietário.

Pessoalmente, não acho que seja o caso: as declarações do Google apontam muito mais na direção de que fontes “genéricos” de cada versão do Android vão continuar sendo distribuídos sempre que chegar o momento em que a exclusividade da posse deles deixar de ser uma vantagem competitiva importante para a empresa.

Também não acho que um número considerável de consumidores compra aparelhos do Android devido a pensarem que estão adquirindo uma plataforma em software livre. Mas certamente há (e eu vejo suas manifestações todos os dias) aqueles que investem e apóiam a plataforma com base nesta impressão, e creio que é a estes que o fundador da Free Software Foundation se dirige primariamente com a exposição de sua análise – afinal, quem apoia o software livre geralmente tem recursos finitos, e melhor fará se escolher conscientemente os softwares nos quais investirá seus esforços!

 

fonte: http://www.techtudo.com.br/platb/linux/2011/09/20/android-e-software-livre-richard-stallman-analisou-e-nao-confirma/