10 de Outubro de 2008 - 18h56 - Última modificação em 10 de Outubro de 2008 - 18h56
Confira a íntegra da entrevista do presidente Lula aos portais de internet
da Agência Brasil
Brasília - Crise foi o tema central da entrevista que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu, hoje (10), à Agência Brasil e aos portais Terra, Uol, IG, G1 e Limão. Ele disse que o Brasil será o país menos afetado pela crise porque as finanças e o sistema bancário estão sólidos. Ao falar de crise, citou os programas sociais, a inclusão digital, as medidas do Banco Central para conter a escassez de crédito e da reunião que quer convocar com os parceiros do Mercosul para traçar uma estratégia conjunta de enfrentamento da crise. Leia a íntegra da entrevista.
Repórter - Há algumas semanas, o senhor deu entrevista ao jornal O Globo e disse que este talvez seria o melhor Natal da história de todos os brasileiros. E o que vemos hoje é o comércio cancelando encomendas diante da grande crise que o mundo está vivendo. Qual o Natal nós podemos esperar este ano?
Luiz Inácio Lula da Silva - Eu continuo otimista, acho que nós vamos ter um Natal extraordinário no Brasil. Até porque, embora o Brasil esteja vivendo a economia global, a crise, ela não chega no mesmo tamanho em todos os países do mundo. No Brasil, nós não temos ainda nenhum grande projeto que sofreu qualquer arranhão. A decisão do governo é manter todas as obras do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], de infra-estrutura. Nós já assumimos compromissos, algumas dessas obras estão com financiamento pronto, outras contratadas, outras em andamento. O emprego continua crescendo, pelos dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística].
Portanto, essa crise, embora estejamos acompanhando tudo com lupa, embora seja maior que todas as outras que aconteceram, seja a da Rússia, a Asiática, seja a do México, a verdade é que o Brasil está mais preparado. É como se tivéssemos tomado uma vacina contra uma doença. Ela está demorando a chegar ao Brasil e, se chegar, talvez seja numa proporção muito menor do que está chegando no Estados Unidos, na Europa, o epicentro da crise, onde estavam todos metidos na especulação financeira, com o subprime. Ou seja, não é o caso do Brasil.
O sistema bancário do Brasil está sólido, as finanças públicas brasileiras estão sólidas, a política fiscal do governo está muito sóbria e serena, as nossas reservas nos dão tranquilidade. Até agora, não há sinal de que a economia brasileira esteja envolvida no subprime. Portanto, ela [a crise] pode chegar aqui muito menor e não vai atrapalhar o nosso desejo de continuar crescendo. É óbvio que se houver uma crise profunda de recessão nos Estados Unidos, atingindo a Europa e a China, todos os países vão sofrer.
Eu estou convencido de que o Brasil vai sofrer menos que qualquer outro país em consequência da crise surgida nos Estados Unidos. Estou convencido disso. Portanto, todos nós temos que nos preparar para comprar tudo o que a gente sonha para o Natal e torcer para que o Ano Novo seja infinitamente melhor. Aliás, eu vi uma declaração do presidente de uma dessas federações do comércio dizendo que o otimismo dele para o Natal é muito maior que no ano passado. Obviamente que o povo está vendo na televisão. É preciso ver como essa crise está sendo vista todo santo dia.
Eu vou contar duas histórias para vocês. Primeiro, quando surgiu a história da gripe aviária no mundo, não vou citar quem, mas saiu na televisão a morte de uma galinha em Marília e disseram que era gripe aviária. Aí, diminuiu o consumo do frango no Brasil e a gripe não estava no Brasil. Se naquela época você perguntasse: pode chegar aqui? Pode, mas não chegou, porque o Brasil estava distante das aves migratórias. Não chegou aqui porque nós nos preparamos antes. Eu me lembro até que dei uma entrevista na Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], com a imprensa, e eu pedi que, quando tivesse uma situação dessa gravidade, vocês comunicassem aos especialistas para poder fazer investigação da notícia.
Depois, teve a questão da febre amarela dos macacos, que se vendeu como se fosse uma coisa nacional, quando na verdade era uma coisa localizada. Então, é preciso que a gente dê às crises a dimensão que elas têm. Essa crise americana é profundamente forte, mas o Brasil está profundamente preparado. Essa é a diferença básica. E por isso vamos continuar incentivando.
Eu estive com o pessoal da Petrobras esta semana e eles me comunicaram o seguinte: de US$112 bilhões que ela tem para fazer investimento, US$ 104 bilhões é caixa próprio, não depende de empréstimo. Além disso, nós vamos trabalhar para ajudar as empresas brasileiras para terem o empréstimo necessário que precisarem. Estamos trabalhando forte para isso.
Acho que um presidente da República nunca se reuniu tantas vezes com o presidente do Banco Central e com o Ministro da Fazenda. Além de me reunir de manhã, de tarde e de noite, converso nos intervalos. Nós temos que acompanhar com lupa, para não termos surpresas. Além do mais, o papel de um presidente da República é passar tranquilidade para a sociedade, a serenidade que ela precisa para continuar acreditando no pais e isso nós estamos fazendo e vamos continuar fazendo, certamente. De olho, preocupados, atentos, mas fazendo o que precisa ser feito no Brasil.
Repórter- Presidente, em relação à crise financeira, pode ser anulado o esforço dos países e do Brasil em investir no combate à fome e à pobreza, que é um pilar do seu governo?
Lula - Se nós analisarmos friamente o mundo de 2008, nós vamos perceber que ele é um pouco diferente do mundo de 1998, por exemplo. Vamos perceber a diferença. A Rússia, a China, a Índia, o Brasil, sobretudo esses países, não tinham a solidez que têm hoje. Hoje, quando falamos em Fundo Soberano, estamos falando em quase US$ 3 trilhões. Se pegarmos China, Índia, Rússia, Arábia Saudita, México e Brasil, ultrapassa US$ 3 trilhões. Dinheiro que está na mão do Estado, que estava, há dez anos, todo quebrado. Por isso, a crise russa, de apenas US$ 40 bilhões, criou uma crise no mundo. Hoje, nesta crise, só os Estados Unidos colocaram quase US$1 trilhão [para ajuda do sistema financeiro]. Nosso amigo primeiro-ministro da Inglaterra [Gordon Brown], ontem [9], anunciou mais US$1 trilhão para o sistema financeiro.
Ou seja, já são US$ 2 trilhões e a crise não está causando, no Brasil, o impacto da crise de US$ 40 bilhões ou de US$ 70 bilhões de dólares. Isso porque o Brasil está mais sólido, porque os empréstimos que temos que fazer já foram contraídos, os bancos brasileiros estão mais preparados, não estavam na especulação, isto porque o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] está mais estruturado, e a economia brasileira está crescendo fortemente. Isso nós vamos continuar fazendo. Tenho conversado, recebido cartas das indústrias que vieram fazer investimentos aqui, todos dizendo que vão manter os investimentos. Aliás, Deus queira que o Brasil seja um bom lugar para eles façam seus investimentos, que tenham seus lucros necessários para poder ajudar suas matrizes e poderem pagar suas dívidas no exterior.
Os programas sociais vão continuar. Acho que a elevação e as conquistas sociais no Brasil têm demonstrado que podem acabar com a fome, todos os países do mundo podem fazer isso. Custa barato, muito barato e é muito eficaz. Ou seja, pouco dinheiro na mão de muita gente, significa socializar as coisas neste país. Agora, muito dinheiro na mão de poucos significa concentração de riqueza e empobrecimento de todo mundo. Então, o Bolsa Família, os programas de investimento na Educação, Saúde na Escola, todos esses programas vão acontecer. O Projovem, não vamos tirar um centavo desse dinheiro.
Muita gente diz que o presidente Lula não está vendo a crise. Ora, meu Deus do céu, eu sou um tipo de ser humano que quando vou visitar uma pessoa doente num hospital, eu não fico dizendo a ele quantas pessoas morreram daquela doença. Eu fico dizendo das pessoas que se curaram da doença. Porque tem gente que vai a um hospital visitar um doente terminal e dizem: ontem morreram quatro disso. Eu não sou esse tipo de gente. O meu papel é passar serenidade para a sociedade brasileira, a verdade absoluta. Agora, na medida em que essa crise chegar ao Brasil e tiver implicação na redução dos investimentos ou que o governo tenha que reduzir os investimentos, com a mesma serenidade que eu digo que o Brasil está num momento bom, eu vou dizer que a situação está agravada, que vamos ter que fazer isso e aquilo e anunciar as medidas.
Eu tenho evitado trabalhar com pacote. Tenho dito ao Guido [Mantega] e ao [Henrique] Meirelles que, com pacote atrás de pacote, esse país já quebrou a cara muitas vezes. Então prefiro medidas pontuais, na hora necessária. Se o médico diz que o paciente deve tomar 20 injeções, você toma 22? Toma uma de cada vez. Aí, você vai se curar melhor do que se tomar todas de uma vez.
Comigo não tem pacote. Medidas, quando for necessário, tomaremos medidas. E posso dizer, com muita serenidade, muita atenção, que tenho conversado com muita gente. Ontem, por exemplo, quando eu liguei para o Bush [George W. Bush, presidente dos Estados Unidos] eu perguntei: “presidente Bush, quando é que vão entrar em vigor as medidas que você anunciou?”. Aí ele disse: “olha, ainda vai demorar umas duas semanas e meia a três semanas”. E nós sabemos o que implica o processo eleitoral lá. Posso dizer a você que os programas sociais, os investimentos nessa área é que garantem que o nosso mercado interno continue crescendo.
Feliz o Brasil que tem crescimento dos mercados interno e externo, que tem diversificação de sua relação comercial, que não depende exclusivamente da economia americana ou européia, como em outros tempos, ou hoje, que temos relação comercial com muitos países. Estamos conversando com todos os países. O Guido, agora, vai ter reunião com os ministros do G20 financeiro [a reunião será amanhã, 11, em Washington]. Nos próximos dias, talvez uma reunião com os parceiros do Mercosul. Porque esse é o momento da política, porque já que grande parte da economia virtual falhou, em prejuízo da economia real, é o momento dos dirigentes políticos assumirem a responsabilidade de tomar as decisões.
Repórter - O TSE [Tribunal Superior Eleitoral], nessas eleições, legislou mostrando que os portais [de internet] deveriam seguir as mesmas regras da campanha política que as concessionárias públicas de rádio e televisão. Também proibiu a propaganda fora da página única de cada candidato. O TSE está legislando, na nossa visão, de uma maneira que não pode fazer, caso contrário restringe a livre expressão. O senhor concorda com a essa atitude antidemocrática do TSE?
Lula - Se você fosse candidato e tivesse sendo vítima da internet, com certeza, você concordaria. Se você for um cidadão brasileiro ou um presidente da República que ama a liberdade de expressão e de comunicação, talvez não concorde. Achamos que precisamos cuidar, da melhor maneira possível, para que os meios de comunicação funcionem de forma mais aberta possível e com a maior responsabilidade possível. Acho que negar a informação ou proibir as pessoas de fazerem a propaganda que quiserem fazer de seus candidatos é você negar o direito de expressão que é tão legítimo quando qualquer outra coisa que pode passar na internet.
Penso que é preciso que a gente tenha a seguinte visão: a internet é uma revolução que, há 15 anos, ninguém imaginava que poderia ser, ninguém tinha noção de que um jornal televisivo, que passa todo dia, já fica velho na hora que vai ao ar, porque a gente já sabe da notícia pela internet. Então, tentar coibir um espaço em que a gente recebe notícia em tempo real... Eu brinco sempre que, quando faço um discurso aqui em baixo [no mezanino no Palácio do Planalto], e depois, chego na minha mesa, está aqui o discurso. Goste ou não goste, está lá o que vocês publicaram.
Agora, vamos ter cuidado e estabelecer regras para que você não possa fomentar coisas como a pedofilia na internet ou outras coisas mais graves. Mas, do ponto de vista da comunicação, da liberdade de expressão, nós temos que agradecer a existência da internet porque ela deixou tudo mais antigo e ultrapassado.
Essa é uma revolução que não sei ainda se os donos de meio de comunicação já começaram a estudar, carinhosamente, de quanto mais brasileiros tiverem computadores, mais acesso à internet haverá. Outro dia, estava pensando, a pessoa tira todas as músicas que ele quiser na internet e, aí, as pessoas ficam discutindo a pirataria, ou seja, a pessoa tira [a música] dentro de casa. A pessoa baixa quando quiser e a hora que quiser. Acho isso fantástico do ponto de vista do extravasamento da liberdade do ser humano, de ter acesso às coisas. Acho extraordinário.
Portanto, acho que precisamos tomar cuidado para que, em nome de estabelecer uma regra de funcionamento que coloque em risco a sociedade, como o caso da pedofilia, que eu vi cenas a mim mostradas pelo Senado, realmente abomináveis. Temos que ter um acordo com os provedores para terem responsabilidade de não permitir que isso aconteça. Mas, fora disso, em se tratando de debate cultural, politico, econômico, viva a internet!
Repórter - Diante da crise, o senhor já editou uma medida provisória garantindo ao Banco Central a prerrogativa, se necessário, de comprar as carteiras de crédito de bancos pequenos, tem adotado um discurso de cautela, não alarmista em relação à crise, que o senhor considera que ainda não atingiu em cheio o Brasil. Caso essa crise fique mais forte, e acredito que a tendência seja essa, e o Brasil se encontre no meio desse processo, e caso o senhor veja que bancos grandes, grandes instituições brasileiras acabaram se envolvendo no que o senhor classificou de cassino, voluntariamente ou não, o senhor considera a possibilidade de ajudar esses bancos? Ou o senhor acha que eles devem pagar o preço, por se envolver no cassino, com a irresponsabilidade?
Lula - O grande problema, quando os governantes colocam dinheiro no banco, como colocaram, recentemente, o Gordon Brown e o Bush, a idéia é muito menos salvar o banco. A idéia é garantir aos donos das contas nesses bancos que eles vão ter o seu dinheiro garantido, porque, senão, o que acontece? A corrida aos bancos quebrará o banco. É muito mais em função disso. Alguns já estão agindo com mais sabedoria, eu já vi, inclusive, pessoas mais conservadoras dizerem “olhem, nós vamos disponibilizar recursos para os bancos, mas comprando ações dos bancos, ou seja, as pessoas já não querem mais dar [dinheiro aos bancos], como demos no Proer [Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional].
As pessoas, agora, estão fazendo o seguinte: está precisando de dinheiro para garantir as contas correntes das pessoas? Então, tudo bem. Isso significa que vamos comprar ações desse banco. Na hora que a situação melhorar, você pode vender de novo as ações e esse é um critério importante. Deixa eu te dizer porque nós tomamos as medidas para que o BC [Banco Central] pudesse fazer o redesconto. Porque o mundo inteiro faz redesconto. No Brasil, isso não era permitido. Pode ser que, no momento em que tomaram essa decisão, o BC não tinha nem condições de fazer redesconto, mas agora tem.
Nós tomamos, como primeira medida, vocês acompanharam semana passada, diminuir o portfólio para que os bancos grandes pudessem comprar as carteiras dos bancos menores. O Banco do Brasil, por exemplo, comprou três carteiras. O que fomos informados, depois, é que havia uma pressão muito grande dos bancos grandes em cima dos pequenos. Ou seja, é aquele negócio, as pessoas querem levar vantagem em tudo. Se existem sinais de crise no mundo, ao invés de ter um mínimo de solidariedade, não existe, cada um quer meter a mão, ganhar o máximo possível.
Nós não vamos permitir que os bancos pequenos fiquem reféns dos bancos grandes. Vai ser o próprio Banco Central que vai fazer o redesconto. E veja que engraçado: foi a primeira vez, na história do Brasil, que uma medida provisória, antes de ser assinada, foi mostrada aqui, o Palácio [Palácio do Planalto] aos parlamentares. Eu trouxe todos os líderes do Congresso Nacional, comuniquei a eles o que ia fazer, fizemos uma exposição da crise, com o Banco Central e o Ministério da Fazenda, e, então, assinei a medida provisória na frente deles porque não poderia ter futrica da imprensa antes de eu assinar a medida provisória. E isso vai ser muito importante, porque agora, os bancos pequenos têm a garantia de que, provando que estão com problemas, o Banco Central fará o redesconto.
Repórter - Mas e no caso dos grandes?
Lula - O Guido e o Meirelles têm conversado todos os dias com os banqueiros e, até agora, não há nenhum sinal de que os bancos estavam metidos com títulos subprime. Obviamente que, se tiver, vai aparecer, em algum momento. As pessoas não podem esconder isso. Você veja que essa crise começou no ano passado. A primeira vez que eu falei em subprime foi em setembro do ano passado, parecia que não tinha nada, que era uma coisa pequena, mas foi aparecendo, aparecendo. Quer dizer, isso é como é boletim de criança que tira nota baixa e quer esconder do pai, não adianta, um dia aparece.
Então, é melhor que as pessoas contem logo [se têm títulos subprime], para que se tome uma posição. Até agora, não temos informação [de problemas com subprime] no Brasil, portanto estamos tranqüilos. O nosso problema, hoje, é de liquidez, e nós queremos ajudar, sobretudo em se tratando de ajudar os exportadores brasileiros.
Repórter – Os bancos centrais do mundo inteiro, dos principais países, têm uma autonomia até maior que o Banco Central brasileiro. O senhor cogita ou acha que é o momento de dar autonomia legal para o Banco Central, aquilo que se discutia no início do seu mandato? Além disso, o senhor poderia dar mais detalhes sobre a reunião do Mercosul, e qual foi a mensagem que o senhor pediu que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, transmitissem na reunião do FMI [Fundo Monetário Internacional] e do G20 financeiro? A de que o Brasil não quer pagar o preço da crise ou de que o Brasil aceita colaborar desde que não seja para se prejudicar?
Lula - Eu acho que tem que fazer uma reunião [com o Mercosul]. Estou viajando, volto na próxima quinta-feira [16], só pode ser depois de quinta-feira. Vamos estar viajando, eu e Celso Amorim [ministro das Relações Exteriores], na viagem vamos conversar sobre isso e decidir se tomamos uma decisão. Depois disso, convoco a reunião.
A segunda coisa, com relação à autonomia do Banco Central, isso não se discute mais. Isso era uma coisa, eu diria, muito feita quando esses bancos, que estão quebrando agora nos Estados Unidos, vendiam a idéia de que eram a sabedoria financeira universal de todos os países do mundo e davam palpites. O Banco Central brasileiro tem, hoje, uma respeitabilidade que poucas vezes teve na história do Brasil. Eu tenho a convicção, porque viajo o mundo, de que nunca um ministro da Fazenda do Brasil e o presidente do Banco Central foram tão levados a sério, como é levado a sério, hoje, o Mantega e como é o Meirelles. Portanto, a autonomia está na relação do presidente da República com o Banco Central. Esse assunto não se discute mais, não está na pauta de ninguém mais.
O que temos dito, e isso também é em razão da minha participação nas Nações Unidas, eu tive uma reunião com o Gordon Brown, com o Zapatero [José Luís Rodríguez Zapatero, presidente da Espanha], com o primeiro-ministro da Austrália [Kevin Rudd], com o da Áustria [Alfred Gusenbauer] e nós discutimos a necessidade dos bancos centrais se organizarem e estabelecerem um padrão de funcionamento do sistema financeiro mundial, sobretudo quando se trata de alavancagem. Você não pode permitir que alguém possa financiar aquilo que não tem ou, se alguém está financiando uma coisa, tenha suporte para pagar em momentos de crise.
No Brasil, normalmente, a alavancagem chega entre nove e dez vezes. Nos Estados Unidos, chegou a 35 vezes. Os bancos centrais, o FMI, o Banco Mundial, todos aqueles que podem ter poder de interferência, precisam começar a bater o bumbo nessa direção para que a gente normatize, internacionalmente, que um banco só pode fazer investimento, alavancagem, sete, oito vezes, e, assim, diminuir o potencial [da crise].
Outra coisa que eu também disse ao companheiro Guido e ao companheiro Meirelles, que é uma coisa extremamente importante é essa figura do bônus, ou seja, você tem uma quantidade enorme de diretores, de gerentes, que estabelecem metas entre eles, e, depois, para cumprir essas metas, fazem qualquer coisa, ficam trabalhando na chamada economia virtual, onde não tem um real, não tem um dólar, não tem um iene, não tem nada, é só papel, papel, papel. E acontece o que aconteceu. É preciso mais responsabilidade.
Vocês estão lembrados que, quando eu fui para o G8 eu levantei a questão do mercado de futuros do petróleo. Todas as conversas que eu tenho com os países produtores de petróleo, quando a gente perguntava mesmo para a Petrobras porque o preço do petróleo estava a US$140, U$S150, eles diziam “é o consumo que está na China, é o consumo na China”. Até que o Senado americano pediu uma investigação para saber o que estava acontecendo com o petróleo, porque a mesma quantidade de barris de petróleo que a China consome estava sendo especulada no mercado de futuros. Ou seja, era tão verdadeiro, na época foi pouco divulgado, que agora a China continua consumindo a mesma quantidade de petróleo e o barril caiu para US$85. Qual a explicação, se não a especulação? A mesma coisa com as commodities. Qual a explicação para as commodities subirem do jeito que subiram em junho deste ano, senão, outra vez, as pessoas vendendo aquilo que vão produzir em 2010, 2012, 2013, 2014? Especulando, precificando?
É preciso tomar cuidado para que essas coisas, ao você comprar uma coisa dessas, você tem que, pelos menos, depositar uma parte para saber se é verdadeiro ou não. Essas coisas, eu penso que eles vão discutir e, certamente, há uma tendência, porque agora não é uma crise dos pobres. Agora, a crise, o calo na verdade, é no pé dos ricos. Eles, que se apresentaram para nós, nos últimos 50 anos, como infalíveis, como pessoas que sabiam tudo, agora estão percebendo que, quando a gente permite a vulnerabilidade no trabalho da economia, quando a gente permite que a economia real seja ultrapassada pelo cassino financeiro, todo mundo corre risco. Eu penso que é um bom momento para o mundo se ajustar, para que a gente faça regras claras que valham para o Brasil, que valham para o Paraguai, que valham para o Uruguai, mas que valham para os Estamos Unidos, para a Alemanha, para a França, para a Índia.
Repórter - Presidente, o senhor acessa muito a internet? Que tipo de programação o senhor gosta?
Lula - Acesso muito pouco, muito mais através da Clara Ant [assessora do presidente]. Quando deixar a presidência, vou acessar tudo que não acessei. Esses dias, baixei umas músicas para dar de presente. Queria baixar três músicas, uma era do Paulo e do Sérgio Valle [Viola enluarada], depois queria dar uma música para o Cid Gomes [governador do Ceará]. Estava com ele, comecei a cantar e ele disse que nunca tinha ouvido a música. Eu disse a ele que era do Ary Toledo. E a outra era uma que eu queria dar para o Jaques Wagner [governador da Bahia], uma que homenageia a Bahia. Uma que diz que “sou da Bahia, não tenho horário e ninguém pode zombar. Sou cabra macho, sou baiano toda hora”. Eles, que são mais jovens, nunca ouviram essas músicas e queria dar para eles.Acho que não é apenas isso. Não sei como os donos das produtoras de CD, de DVD vão sobreviver nesse mundo libertário que a internet possibilita às pessoas. Não sei se estão exigindo alguma regulamentação, mas, em algum momento, alguém vai começar a chiar em relação a isso. Depois, tem uma coisa importante que é você ler notícia sem sujar a mão. É uma coisa nobre. De forma que, penso que o papel do presidente da República, e acredito piamente, é que estamos fazendo o maior programa de inclusão digital que o país já teve. Ou seja, quando decidimos fazer um acordo com as empresas de telecomunicação para colocar internet banda larga em 55 mil escolas públicas urbanas deste país e quando decidimos colocar telecentros em todos os municípios deste país. Essa semana fiz uma reunião com os companheiros brasileiros, umas 12 ou 14 pessoas que trabalham com telecentros, espalhados pelo Brasil afora, com participação nas comunidades de internet. O Computador para Todos [programa de inclusão digital do governo], demoramos dois anos apenas para saber se a gente ia financiar ou não, coisa que a gente poderia ter feito muito mais rápido, estar vendo mais rápido.
Qual é o nosso objetivo? É fazer com que as pessoas mais humildes do país tenham acesso e possibilidade [de acesso a um computador]. Uma coisa que me sugeriram, e achei extraordinário, ontem mesmo chamei a Dilma [Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil] dizendo que tinha uma demanda, que é o seguinte: um companheiro me disse que as obras do PAC, que estão sendo feitas na periferia, se não tiver rede, têm que levar rede internet para todos os bairros brasileiros que têm obras do PAC. Achei extraordinária a idéia. Se está sendo feito um investimento de R$ 400 milhões em esgoto sanitário e água potável, aproveita e leva a banda larga para lá. Vai fazer uma revolução naquela comunidade.
Acho que o Brasil está conseguindo recuperar o tempo perdido, porque, muitas vezes, a criatividade dos políticos não permite que eles avancem. Fica em um “rame-rame”, às vezes anos, quando precisam ser muito mais ágeis e produtivos. Vamos terminar 2010 com um avanço extraordinário de inclusão digital no Brasil.
Temos os laboratórios de informática nas escolas técnicas. Todas as escolas têm laboratório. Mas não me conformo. Em uma escola tem 300 alunos e tem um laboratório com 20 computadores. É muito pouco. Precisamos colocar mais. Você veja uma coisa: demoramos de um ano e meio a dois anos para aprovar a idéia da inclusão digital. E por que fizemos o acordo com as empresas de telecomunicação? Porque nós entramos na Justiça para recuperar a Eletronet e fazer [a inclusão] por conta do Estado e fazer todas as extensões de fibras óticas que temos, as linhas de transmissões nos gasodutos que estavam paralisados por brigas na Justiça. Mas foi por conta dessa decisão nossa de que iríamos fazer, que as empresas nos procuraram e disseram que iriam fazer e estão cumprindo graças a Deus.
Repórter - Presidente, para onde o senhor vai viajar para fazer campanha?
Lula - Ainda não decidi, talvez vá a São Paulo só. Tenho pouco tempo. Tenho uma semana fora [do país], quando voltar, no dia 20 ou 22, vou à Jamaica. Depois, tenho uma semana só.
Repórter - Presidente, agora com os laudos, o senhor acha que o Paulo Lacerda deve voltar?
Lula - Vamos esperar. Vou dizer o que disse da última vez, que o Paulo Lacerda [diretor-geral da Polícia Federal] é um extraordinário profissional brasileiro. Feliz de um país que tem um profissional do gabarito dele. Ele foi afastado até para a garantir a honradez dele e, quando os laudos chegarem à minha mão, eu tomarei a decisão.
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