O DRM – a “gestão de direitos digitais”, cujo nome mais adequado deveria ser "gestão de restrição de direitos digitais" – consiste basicamente em restringir a difusão por cópia de conteúdos digitais instalando mecanismos de controle nos próprios dispositivos que os reproduzem, "técnica" anticompartilhamento que já vem sendo utilizada em players de música, vídeos e e-readers, e que agora corre o risco de ser implementada no novo padrão web HTML5.

Durante debate no fisl14, Yasodara Córdova, integrante do W3C, Escritório Brasileiro do Consórcio World Wide Web, Deivi Kuhn, do Comitê de Implantação de Software Livre do Governo Federal, Seth Schoen, da Eletronic Frontier Foundation, e Alexandre Oliva, da Free Software Foundation, foram incisivos ao relatar os problemas que a adoção do DRM dentro do padrão HTML5, nova investida contra a liberdade, deve ocasionar.

Eles alertaram a comunidade Software Livre sobre a necessidade de alertarmos o mundo (sim, você também!) gritando contra mais essa ameaça. Nas palavras de Alexandre Oliva:

 

 

O DRM no HTML5 é a continuação de um série de ações para limitar a liberdade dos usuários, como patentes e direitos autorais, e é fundamental a nossa movimentação contra essa nova tentativa, para que a Web não seja murada por grande conglomerados comerciais.

 
A questão, que foi tema na edição de ontem do Correio Brasiliense, em matéria que reproduzimos abaixo, também será debatida no próximo dia 13, às 15h, durante o VI Congresso Internacional Software Livre e Governo Eletrônico (Consegi) na sessão "Privacidade e liberdade sob risco. O DRM no HTML5", com Deivi Kuhn.
 
E já que nossa maior arma é a informação, faça sua parte: envolva-se nos debates, informe-se e conte para o maior número de pessoas como e porque nossa liberdade na rede vem sendo ameaçada.
 
 
 
Filtros polêmicos assombram a web
 
Por Roberta Machado (Publicado originalmente no Correio Brasiliense)
Para evitar a pirataria, empresas pretendem adotar ferramenta que oficialize o monitoramento de informações na internet. Segundo especialistas, a medida restringe o acesso à rede mundial de computadores
 
 
O que você vê na internet não é escolhido somente por você. A cada clique ou dado enviado, o internauta molda um perfil de acesso próprio, que é acessado e avaliado por uma série de protocolos capazes de determinar quais partes da rede são permitidas e quais estão fora de alcance. Esse é um procedimento conhecido como Digital Rights Management (DRM), recurso adotado por vários sites para a administração de conteúdo disponibilizado na web. A ferramenta é defendida pela indústria de entretenimento, que diz precisar dela para combater a pirataria. Ativistas, no entanto, acreditam que ela limita o acesso à internet.
O DRM já está presente em diversos portais e até mídias. Ao acessar o conteúdo de determinado site, o internauta passa por uma série de filtros que registram o quanto pagou, a região onde mora e até mesmo o que ele já abriu na web. Até hoje, esse tipo de restrição é controlada por meio de plugins, que precisam ser instalados no navegador antes que a pessoa acesse o conteúdo dos sites que utilizam essa medida de segurança. O internauta, portanto, precisa concordar com esse processo ao instalar a ferramenta no seu navegador — mesmo que muitos ainda não se deem ao trabalho de ler os termos de uso antes de aceitá-los.
Mas isso pode mudar a partir do ano que vem. A Google, a Microsoft e a Netflix querem integrar essa ferramenta ao futuro padrão mundial de linguagem da internet, o HTML5. Essas empresas propuseram uma extensão, chamada Encrypted Media Extensions (EME), que dispensaria o uso das restrições escondidas nos plugins Flash e Silverlight para oficializá-la na própria ferramenta que deveria apoiar a rede livre.
“Vai mudar para cada browser, mas posso dizer, com certeza, que os navegadores Internet Explorer já virão com o padrão DRM da Microsoft. O Chrome, do Google, provavelmente virá com os componentes DRM da Google”, exemplifica Deivi Lopes Kuhn, secretário executivo do Comitê Técnico de Implementação do Software Livre do Governo Federal (CISL). O Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) deve debater o assunto no Congresso Internacional de Software Livre e Governo Eletrônico (Consegi) a partir da próxima terça-feira.
Para alguns, a reprodução de conteúdo encriptado vai contra os princípios do próprio modelo HTML5, cuja proposta é diminuir o número de plugins e tornar a navegação uma atividade mais intuitiva e prática. Outro ponto criticado é o incentivo à cultura de licenças que limitam o acesso a vídeos, músicas, textos ou jogos oferecidos na web. “Não vejo problemas em cobrar por um produto, mas não acho correto vender a mesma coisa várias vezes. É isso que eles querem, vender o conteúdo e continuar sendo dono, controlando como a pessoa vai usar. Isso não é correto”, critica Alexandre Oliva, conselheiro da Free Software Foundation Latin America (FSFLA).
É o que acontece com o Netflix, que disponibiliza conteúdos diferenciados de acordo com o país do cliente — um norte-americano, por exemplo, tem acesso a mais episódios de uma determinada série do que um brasileiro. Outro caso é o Google Play, que cobra uma taxa pelo direito limitado para o cliente assistir a filmes. Se uma pessoa paga por um vídeo pela plataforma Google, tem apenas 30 dias para vê-lo e não pode acessar o conteúdo novamente depois de mais de 48 horas.c
Limitações à vista
Outros especialistas acreditam ainda que o monitoramento de informações pode ser um risco para programas abertos, que podem enfrentar dificuldades para funcionar. O mesmo problema afetaria programadores que se interessam em personalizar ou mesmo criar jogos para um console conectado à rede, além de impedir o uso de games usados ou emprestados. Essa mesma preocupação já foi motivo de protesto contra o novo console da Microsoft, o Xbox One. Depois de violentas críticas do público, a companhia voltou atrás e aboliu a obrigação de validação on-line do game.
Para Deivi Kuhn, outra questão delicada nesse debate é o possível acesso de conteúdo sem autorização do internauta. Além de registrar os acessos a determinados conteúdos, o DRM poderia ser usado também para monitorar os hábitos de cada pessoa na rede. “A especificação dessa proposta não define que ele (o DRM) só deva fazer isso. Ele pode fazer qualquer coisa, então, com toda a certeza, vai ser a porta de entrada de acessos ocultos, como aconteceu no NSA, e também vai querer fazer outros tipos de controle. Ele vai ter aplicações que vão além do direito autoral”, teme o especialista do Serpro. Casos de uso indevido do DRM já acontecem há anos, lembra Deivi (Leia a memória).
Os protestos contra a restrição padronizada já resultaram em cartas abertas, abaixo-assinados e até boicote dos sites que requisitaram a mudança. No entanto, o assunto precisa ser resolvido pelo W3C, o consórcio internacional que estipula o padrão usado na rede. O grupo ainda não recebeu comunicados oficiais de seus membros contra a adesão do DRM pelo HTML5.
“O W3C não é uma instituição vertical, é horizontal. Por enquanto, ele acatou a proposta da Net-flix, do Google e da Microsoft e entendeu que é preciso entregar conteúdos de entretenimento e que querem usar o padrão da web para fazer isso”, explica Yasodara Córdova, especialista em web na W3C Brasil. “Isso significa que todos os desenvolvedores de sites que vão obedecer ao padrão HTML5 vão ter de concordar e aderir (ao DSM)”, ilustra a representante. A questão, ressalta Yasodara, ainda é pouco discutida no Brasil, e tampouco é considerada pelo governo do país.
Para os opositores ao DRM, a maior arma do internauta é a informação. Assim como o público conseguiu reverter a política criada pela Microsoft para o console Xbox, é possível que assinantes, compradores e espectadores derrubem a medida ao deixar claro a posição contra ela. A própria Apple abriu mão da ferramenta em 2009 para conquistar mais usuários para a plataforma iTunes. “O DRM abre uma porta para o cavalo de Troia entrar. Não temos de aceitar, pois o que eles querem no fundo é vender. Se um monte de gente não comprar, vão oferecer de uma forma que a gente aceite”, acredita Alexandre Oliva.
Brasil grampeado
Denúncias do ex-técnico da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA, em inglês) Edward Snowden revelaram que o país teve acesso indevido a 2,3 bilhões de telefonemas e mensagens de empresas e moradores brasileiros. A NSA mantém parcerias com grandes provedores de serviços na internet com o Facebook, Google, Microsoft e YouTube, e usa programas como o Prism e o Fairview para se apoderar de e-mails, mensagens e chamadas.
Memória
Relatórios e sumiços
Em 2005, a Sony BMG colocou medidas contra cópias em 22 milhões de CDs. Essas ferramentas de DRM, que instalavam dois softwares no computador do comprador, evitavam a pirataria e enviavam relatórios para a gravadora com os hábitos musicais dos usuários. Anos mais tarde, em 2009, a Amazon deletou livros diretamente de diversos Kindles sem a permissão dos usuários. A loja virtual afirmou que os arquivos sofriam problemas de direitos autorais. Ironicamente, as obras que desapareceram dos leitores digitais eram justamente 1984, do escritor George Orwell. No livro, o autor descreve uma sociedade em que todos os cidadão vivem sob constante vigília do governo.