A politização em torno da reativação da Telebrás, ou da utilização de outra empresa pública para ser a estatal da banda larga, encobre uma realidade que mesmo os especialistas no setor de telecomunicações parecem não querer enxergar. Apegam-se aos muitos bons resultados da privatização, em termos de investimentos privados e da espetacular expansão das redes fixas e móvel, para argumentar que nada deve mudar. Mas já está provado que as leis do mercado não resolvem tudo, só uma parte.

A telefonia fixa está presente, com redes que podem ir até a casa do usuário, em todas as localidades com mais de 300 habitantes, mas só 44,5% dos domicílios brasileiros têm telefone fixo e 17,9%  não têm nenhum telefone (PNAD 2008). Por que, se há cobertura? A explicação está no valor da assinatura, cerca de R$ 40,00, que boa parte da população não pode pagar. É bem verdade que 37,6% dos domicílios são atendidos só pelo celular, que conseguiu, com o pré-pago e possibilidade do usuário definir o que pode gastar, praticamente universalizar o serviço, embora a penetração real seja inferior aos 92% sugeridos pelos números brutos (173,9 milhões de celulares, no final de 2009) -- pelos dados da PNAD 2008, a taxa de penetração real é 30% inferior a dos dados brutos. Mas os celulares no Brasil falam pouco em relação à média mesmo de países como Argentina e Chile e também mandam muito menos mensagens. Mais uma vez, porque o preço é alto. De acordo com estudo recente da UIT, divulgado no final de fevereiro, se adotado o critério de Paridade de Poder de Compra (PPC), o celular do brasileiro é o mais caro do mundo: US$ 42,18 para uma cesta de 25 chamadas saintes e 30 torpedos por mês, o que o coloca na última posição entre 159 países pesquisados.

Não há como massificar a banda larga com essa estrutura de preços, ainda mais se levarmos em consideração que a rede mais universalizada que existe no país, justamente em função dos compromissos impostos às concessionárias privatizadas, é a da telefonia fixa. Para ter um serviço banda larga de 1 Mbps no estado de São Paulo, o assinante vai pagar por volta de R$ 54,90, mais assinatura básica. Se ele morar nas capitais da maioria dos estados atendidos pela Oi, R$ 49,90, mais a assinatura básica; se morar no interior a conta sobe para R$ 109,90, mais a assinatura básica. O preço da banda larga vem caindo, mas de acordo o mesmo estudo da UIT, ainda é alto. O Brasil está em 70º no ranking.


Desoneração


Para baixar os preços, as operadoras reivindicam a desoneração dos impostos que incidem sobre o serviço de banda larga – uma carga elevadíssima de 43%. Mas a desoneração, reconhecem todos, não é viável sobre serviços consolidados como telefonia fixa e móvel, porque esses recursos já estão contabilizados nas receitas dos estados que respondem, com ICMS, pela fatia do leão dos impostos sobre serviços. Portanto, mesmo com a desoneração da banda larga, a queda dos preços ficará acima do que o cidadão da classe C pode pagar. Não é por outro motivo que a Telefônica não lançou o serviço de internet popular a R$ 29,80 para 256 kbps, dentro de convênio firmado com o governo do estado de São Paulo, por meio do serviço Speedy. A operadora diz que não consegue entregar o serviço por esse valor para não assinantes, ou seja, para quem não tem o par de cobre já instalado em sua casa. A solução que encontrou foi usar tecnologia sem-fio WiMesh e sua rede de cabo, ambas redes de pouca capilaridade e alcance. Para oferecer o serviço aos assinantes via Speedy, ainda depende de parecer do Procon.

Com esse pano de fundo, cabe ao governo, na elaboração de um Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), discutir alternativas que permitam forçar uma queda nos preços, também por meio da competição. Como ainda não foram aprovadas pelo presidente da República, as diretrizes não foram divulgadas. Mas elas contemplam, segundo informações do coordenador do PNBL, Cezar Alvarez, medidas de desoneração fiscal e tributária, de política industrial, de desenvolvimentos tecnológico, de aplicações sociais de governo e de desenvolvimento de conteúdo.

As medidas de desoneração fiscal e tributária devem atender, em grande medida no que diz respeito à cadeia produtiva, às reivindicações da indústria de telecom. A desoneração do ICMs depende de cada estado, mas já há a sinalização positiva do Confaz. Quanto aos impostos e taxas federais sobre o serviço, o governo sinalizou que estudaria apenas a redução do Fistel para os modems da telefonia móvel. Mas como, em função da simulações que fez, o governo está convencido de que só essas medidas não levarão o preço ao patamar compatível com o poder de compra dos cidadãos da baixa renda, outro componente importante do PNBL é usar a infraestrutura de fibras ópticas das estatais e das fibras apagadas da Eletronet, devolvidas à Eletrobrás pela Justiça, para aumentar a oferta de links no atacado, para que pequenos provedores também possam oferecer banda larga a preços menores, especialmente nas pequenas cidades.

Mais competição

Usar a futura estatal de banda larga para regular os preços no atacado e estimular a competição na ponta é importante para a universalização da banda larga, se, de fato, a rede estatal for mesmo ter backhaul em cerca de 4.800 cidades como tem dito Alvarez. Muitos especialistas duvidam dessa capilaridade da futura estatal da banda larga. Cabe às concessionárias, nesse novo cenário, investir em soluções tecnológicas que lhes permitam ter preços competitivos e manter seu poderoso espaço de mercado. Se essa estatal vai prover o serviço diretamente aos usuários onde não houver oferta privada a preços justos, é uma segunda discussão, que dependerá da extensão do êxito dessa primeira medida, vinculada tanto ao alcance da rede estatal como da sua capacidade de oferta e do preço dos links.

No círculo das cidades sem atratividade econômica – que podem ser perto de mil cidades, nas contas de Alvarez, ou um número bem superior, nas contas do mercado --, o governo vai ter de subsidiar o serviço, seja via tarifa social ou outro mecanismo. Como essas cidades só contam com a rede da concessionária (até dezembro todas as sedes municipais estarão atendidas com banda larga), elas terão uma papel importante no provimento do serviço. Já o atendimento à zona rural, também a ser subsidiado, terá que ser feito por outras redes (satélite e redes sem-fio na faixa de 450 MHz, por exemplo).

Alguns argumentam que os mesmo objetivos poderiam ser alcançados por meio de uma regulação mais forte por parte da Anatel, complementada por recursos adicionais do Estado onde não houver modelagem econômica. É bem verdade que o governo Lula não só não deu atenção especial ao setor de telecomunicações até o meio de seu segundo mandato, como tratou a Anatel a pão e água, em termos de recursos orçamentários, e deixou o conselho dirigente incompleto por vários períodos. Mas desde o governo FHC a Anatel vem dando mostras de muita dificuldade para impor medidas regulatórias de maior estímulo à competição. Essas dificuldades, em função da pressão de interesses contrários, se estenderam ao longo dos anos até provocar uma paralisia. Para não errar, a Anatel não decide. E quando decide, enfrenta resistência na Justiça. Assim, as licitações das faixas de 2,5 GHz e 3,5 GHz, que permitiriam usar as tecnologias sem-fio para prestar serviços, em especial de banda larga, não sairam. Da mesma forma, que há oito anos não concede novas licenças de TV a cabo. Portanto, só a ação do regulador, sem política pública negociada com a sociedade, não será suficiente.

Todo esse cenário indica que um plano de banda larga, em um país com a distribuição de renda como a do Brasil, demanda uma participação importante do Estado. Desafio maior se coloca, também em termos de investimento, pois o serviço não é estático como o de voz, já que o consumo de banda é crescente exigindo aumento constante das velocidades. Se banda larga é capital essencial para o país poder participar da Sociedade da Informação, superar desigualdades, distribuir conhecimento e conseguir competir na economia globalizada, esse objetivo não será atingido sem uma política pública consistente, que envolva a aplicação de recursos públicos para atender as regiões menos favorecidas, aumente a competição e provoque a queda dos preços.

Por Lia Ribeiro Dias  
Fonte TeleSíntese