A Câmara dos Deputados ontem, 5 de novembro, foi literalmente invadida pelo marco civil da internet. A “Constituição da Internet”, que garante os direitos e deveres dos usuários da rede, foi amplamente discutida em plenário durante boa parte da manhã e início da tarde, com a participação de especialistas, ativistas, deputados, representantes de empresas e entidades relacionadas à telecomunicações e a internet e da sociedade civil.


O relator do projeto, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), apresentou o seu relatório que será encaminhado para votação, possivelmente na semana que vem. O texto tem algumas mudanças em relação ao anterior. A primeira delas é que incluiu vários dispositivos sobre privacidade, incorporando artigos sobre proteção de dados pessoais - que não estavam em nenhuma das versões anteriores - do Projeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais (LPDP). A inviolabilidade da intimidade e o direito à sua proteção e indenização por dano decorrente de violação, por exemplo, são garantias dos usuários, segundo a nova redação do Marco Civil. O mesmo marco também obriga as empresas a informarem como estão coletando e usando os dados pessoais - e qualquer uso deve ser justificado e previsto em contrato. 


Os escândalos da espionagem realizada pela NSA, dos Estados Unidos, impulsionaram também a discussão sobre a guarda de dados pelos provedores de internet. O governo propôs a obrigatoriedade da guarda, mas a regulamentação acabou ficando de fora do do texto final de Molon. A alegação é que a guarda de logs por mais de um ano, como previsto, elevaria os custos de operação das empresas e atrapalharia a inovação.


Quanto a responsabilidade dos provedores, a ideia continua a mesma desde a formatação do projeto, realizada de forma colaborativa em 2012: as empresas só podem ser responsabilizadas se elas não removerem o conteúdo de um usuário após uma ordem judicial. A briga estava em um inciso em que a remoção não valia para conteúdo pirata,  o que permitia as empresas removerem conteúdos que violassem direitos autorais. A exceção foi mantida, mas ela diz também que o tema será regulamentado posteriormente - e há menção que a liberdade de expressão deve ser garantida. 


Neutralidade


Foi a questão mais discutida no Congresso e deverá ser o ponto mais conflituoso na votação final. O primeiro palestrante da audiência, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), disse ser contra a neutralidade da forma como foi proposta nas emendas de Molon. “Vamos votar o texto original apresentado pelo governo com as sugestões de emendas”, disse o deputado, líder do PMDB na câmara, sob os protestos de alguns representantes da sociedade civil presentes à Câmara. Pedro Ekman, representante do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação/Intervozes, rebateu Cunha em sua fala ao defender a neutralidade e rede e a liberdade de expressão na internet e dizer que o Marco Civil da Internet acerta ao suprimir a possibilidade da retirada de conteúdos sem autorização judicial. 


“A indústria do direito autoral mira no direito patrimonial, mas acerta na liberdade de expressão. Conteúdos são retirados sem qualquer debate judicial”. Ele afirmou que o projeto está correto ao tirar a responsabilidade dos provedores por conteúdos postados por terceiros e ao colocar para a Lei do Direito Autoral a definição de mecanismos de retirada. 


Na tréplica, o deputado do RJ se exaltou, como mostra este vídeo.


A fala de Sérgio Amadeu, professor da UFABC e representante do CGI.br, resumiu a importância do marco e da neutralidade da rede:

"O mundo inteiro olha para o Brasil hoje. Enquanto no mundo inteiro se tenta mudar o jeito que a internet funciona, esse Marco Civil defende que a internet deve continuar como é hoje. Temos a responsabilidade de garantir que a internet continue livre. Quebrar a neutralidade é impedir que tenhamos multímidia disponível para todos. Temos que ter infraestrutura disponível, não tentar comprimir o tráfego crescente da internet em uma viela”, disse Amadeu.


Demi Getschko, diretor do Comitê Gestor de Internet, afirmou em plenário que “a proposta não é mudar nada, é se proteger contra coisas ruins que podem ser feitas no futuro. É uma vacina para impedir doenças futuras”. Pablo Ortellado, pesquisador da USP, completou: "Se aprovado, o Marco Civil será a melhor legislação sobre internet no mundo. Não é regulamentação da internet, é regulamentação de direitos na internet".


Segundo o presidente da Câmara, Henrique Alves, a votação do Marco Civil da Internet deve acontecer na próxima semana. A matéria tranca faz duas semanas a pauta de votações da casa.

Foto: Luís Macedo / Câmara dos Deputados