Nota para auxiliar nos debates sobre a neutralidade da rede no contexto do Marco Civil da Internet no Brasil (PL No. 2126 de 2011).

Neste momento em que pensamos em adotar uma Constituição para a Internet no Brasil, não devemos nela inserir princípio incompatível com os valores e princípios que Constituições abraçam.

Nenhuma Constituição, como regra geral, busca neutralizar um ou outro agente da vida em sociedade. Não contêm, Constituições, regras gerais de neutralidade. A neutralidade é a antítese da liberdade.

Neutralizamos os provedores hoje. E amanhã, quem neutralizaremos?

[Baixe aqui o texto em ODT ou em PDF].

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[Updates: 29/04: Por favor, leia toda a nota antes de assumir que estou defendendo que os provedores de conexão possam incorrer em práticas discriminatórias irrazoáveis ou que estas não devam ser reguladas e coibidas. Estou ciente da patologia. Minha discordância é quanto à posologia.

30/04: Abstract adicionado].

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Razoabilidade na Rede
:: além da neutralidade ::


MARCELO THOMPSON*

Faculty of Law, The University of Hong Kong
Oxford Internet Institute, University of Oxford

 

Abstract: Esta nota propõe uma recontextualização do debate sobre a neutralidade da rede. Propõe que se substitua o objetivo de neutralizar qualquer agente do ambiente informacional – no caso os provedores de conexão à Internet – por um objetivo de assegurar que todo e qualquer agente aja de forma razoável. A nota não defende práticas irrazoáveis de provedores de conexão à Internet. A nota defende, ao contrário, um princípio geral de razoabilidade aplicável a todo e qualquer agente do ambiente informacional. O objetivo de neutralizar, anular a liberdade de provedores de conexão é, em si, inconstitucional. Ele implica uma inversão, uma anulação do princípio liberal contido na Constituição da República – a ideia de que todo agente pode fazer tudo aquilo que a lei não veda. Para os provedores de conexão, a ideia de neutralidade da rede significaria que, por princípio, os provedores somente poderiam fazer aquilo que a lei expressamente lhes permitisse. Esta nota não debate especificamente a questão da constitucionalidade, mas demonstra a inconsistência – na teoria e na prática – da ideia de neutralidade. Em lugar dela, a nota argumenta que as patologias que o debate sobre a neutralidade da rede busca, com razão, remediar melhor remediadas seriam por um princípio de razoabilidade na Internet, no coração do qual deve estar uma presunção de que os valores fundamentais da Internet – por exemplo, o assim-chamado “End-to-End Principle” – devem ser respeitados e de que qualquer prática que deles divirja deve ser rigorosamente fundamentada.


Contextualizando o Debate

Estou ciente de que contrario o pensamento comum sobre o assunto da neutralidade da rede – a proposição de que os provedores de conexão à Internet não devem poder discriminar pacotes de dados de acordo com a origem, conteúdo ou destino dos mesmos. Porque contrario o pensamento comum, e porque nos debates nesta área há uma forte (e talvez inevitável) carga ideológica, é importante que se conheça o pano de fundo de meus pensamentos.