O tema Open Source, há alguns anos, era um dos mais quentes no mundo da TI. Eventos e mais eventos ocorriam sobre o ele. Participei de dezenas e até mesmo escrevi, em 2004,  um livro abordando o assunto. Tive a satisfação de colaborar com diversos projetos de TCC de muitos alunos. Mas, hoje, não está mais entre os temas mais debatidos. Há anos que não vejo um simples TCC abordando Open Source... E a explicação é simples: Open Source já está assimilado e em uso em praticamente todas as empresas e portanto já é paisagem. Basta ver um simples número: o diretório Sourceforge, um dos maiores repositórios de projetos de software Open Source, tem mais de 324 mil projetos e tem mais de 4,5 milhões de downloads por dia. Alguns softwares e projetos Open Source como Linux, Apache e Eclipse já são lugar comum.

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Como fui convidado para participar do I Forum da revista Espirito Livre, dedicado ao Open Source, achei que seria interessante revisitar o tema e escrever um artigo mostrando como está Open Source hoje e o que se espera para os próximos anos.

É indiscutível a presença e a influência do Open Source na indústria de software. É inevitável sua entrada em qualquer empresa. O custo de entrada é zero: basta acessar um repositório e fazer um download. Milhares de softwares estão a um simples clique de distância de qualquer um. Não é de espantar que em muitas empresas existem muitos softwares Open Source voando abaixo da tela do radar dos CIOs. Portanto, ignorar Open Source não é uma boa estratégia. É melhor e mais seguro desenhar uma política para sua adoção.

Observei, ao longo desses anos, que os debates acirrados no início do movimento Open Source, em que os aspectos ideológicos falavam mais alto, e que se imaginava que o mundo seria Open Source por simples decretos, estão muito mais racionais hoje em dia. A maioria dos profissionais sabe que Open Source não é software de domínio público, mas sim depende de regras legais bem definidas. Existem sim regras de licenciamento e copyright envolvidos. Algumas, como a GPL, definem regras bem claras de reciprocidade, nas quais todo e qualquer software derivado de um software baseado em GPL também deve ser licenciado sob GPL. A licença GPL impede que um projeto Open Source seja apropriado por alguma empresa e se torne um software comercial.

Os aspectos legais que envolvem Open Source não podem ser ignorados. Por exemplo, a marca registrada ou trade mark. Existem vários casos concretos de uso de trade mark em Open Source. Um deles é o Linux, cuja marca pertence a Linus Torvalds. A Apache Software Foundation define claramente como e quando um software pode ser considerado um projeto Apache. Na prática, a licença Apache permite que um software derivado de um projeto Apache seja comercializado, mas essa comercialização não pode ser feita sob o nome Apache.

Um outro exemplo é o Android, projeto Open Source criado inicialmente pelo Google. Qualquer um pode adaptá-lo, customizá-lo e redistribui-lo. Como a concorrência no mercado de equipamentos móveis é extremamente acirrada, a possibilidade de surgirem versões Android muito diferentes entre si e, pior, incompatíveis, é muito grande. Assim, para garantir a compatibilidade entre as centenas de smartphones e outros dispositivos que usam esse sistema, o Google criou um mecanismo de trade mark que permite que o software seja comercializado sob a marca Android apenas se estiver aderente a um documento chamado Android Compatibility Definition Document (CDD) e passar por testes do Compatibility Test Suite (CTS).

Copyrights e patentes foram outras discussões que foram muito quentes há alguns anos. Copyright protege a propriedade intelectual como expressão de uma ideia, não a ideia em si. As licenças Open Source expressam copyright em seu bojo. Por exemplo, a licença Apache 2.0 diz claramente: “Grant of Copyright Licence. Subject to the terms and conditions of this licence, each contributor hereby grants to you a perpetual, worldwide, nonexclusive, no-charge, royalty-free, irrevocable copyright licence to reproduce, prepare derivative works of, publicly display, publicly perform, sublicence, and distribute the work and such derivative works in source or object form”. Portanto, existe copyright, sim, mas as regras do licenciamento obrigam o proprietário da propriedade intelectual (PI)  a cedê-la para poder ser licenciada como Apache. Dessa forma, ninguém se torna dono da PI.

Patentes  já embutem proteção a invenções que podem ser ideias, produtos ou processos. As licenças Open Source também embutem regras claras quanto às patentes. Se novamente voltarmos a atenção a Apache 2.0, veremos que ela também explicita como cuidar das patentes, garantindo que elas se tornem royalty-free para qualquer um que a use. O mesmo acontece com a licença da comunidade Eclipse, a Eclipse Public Licence (EPL). A questão das patentes ainda está em aberto. Como os softwares são produtos cada vez mais complexos, a possibildade de intercessões entre códigos Open Source e códigos fechados é grande, e volta e meia vemos alguns litígios pipocando por aí.

Para mitigar esses efeitos, foram criadas inciativas como o Patent Commons Project, criado pela Linux Foundation (http://www.linuxfoundation.org/programs/legal/patent-commons) .Também vimos a própria Google adquirindo a Motorola Mobility para se apossar de mais de 25 mil patentes e, em agosto de 2011, comprando 1.023 patentes da IBM para proteger o sistema Android de eventuais guerras de patentes. Aliás, a IBM em 2005 cedeu 500 de suas patentes à comunidade Open Source, exatamente para evitar alguns possíveis conflitos com outros sistemas fechados.

Mas a opção de algum desenvolvedor ou empresa de colocar seu software sob as regras Open Source é soberana. Ele o faz por alguma motivação, seja ela tangível ou intangível. A eterna discussão dos modelos de negócio, ou seja, como ganhar dinheiro com Open Source, vem à tona. Algumas empresas descobriram, com o amadurecimento do mercado, que uma alternativa que tem se tornado bastante comum é a chamada opção de dual licencing, na qual o software Open Source continua distribuído livremente, mas ao mesmo tempo comercializa versões mais sofisticadas, estas sob licenças tipicamente comerciais. O usuário paga apenas pelas funcionalidades adicionais e paga porque reconhece valor nelas. Na prática, vimos que aumentou a conscientização que os modelos comerciais e Open Source não são antagônicos, mas podem conviver em sinergia.

Aprendemos outras coisas ao longo desses anos. Imaginava-se que os softwares Open Source gerassem inerentemente códigos mais eficientes que os fechados. Todos podiam ler o código-fonte e fazer avaliações e correções. Na prática, as comparações foram feitas, muitas vezes de forma emocional, comparando-se softwares de comunidades engajadas e com lideranças firmes como Linux e Apache, com produtos comerciais que apresentavam muitos defeitos como o Windows e o Explorer. Mas, ao longo dos anos, verificou-se que existem muitos softwares fechados de altíssima qualidade, desenvolvidos por métodos altamente sofisticados envolvendo intensos testes de quality assurance. Hoje, sabe-se que um projeto Open Source é de alta qualidade de for bem gerenciado e tiver uma comunidade altamente engajada. O mesmo acontece com softwares comerciais. Se forem bem gerenciados e desenvolvidos por processos que enfatizem a qualidade, seu código será de alto nível.

Aprendemos também que nem sempre um software Open Source é sempre mais barato que um software comercial. No auge inicial dos debates, de forma simplista, comparava-se apenas o custo de aquisição de produtos, o que inevitavelmente levava a um software distribuído gratuitamente a ser vencedor em qualquer comparação. Mas com o correr do tempo e amadurecimento do mercado observou-se que deveríamos comparar TCO (Total Cost of Ownership ou Custo Total de Propriedade) e, nesse caso, algumas vezes os softwares Open Source não eram os mais baratos.

Mas a maior lição que aprendemos foi que não devemos misturar ideologia com Open Source. As decisões tecnológicas devem ser baseadas em fundamentos sólidos que maximizem o valor e a eficiência para os negócios e os órgãos públicos. Um questionamento que sempre me preocupou foi que Open Source seria eticamente mais saudável que softwares comerciais. Não concordo com essa visão. Na verdade, Open Source é um modelo de desenvolvimento colaborativo, que permite criar novos modelos de negócio, alguns dos quais podem dispensar vendas de licença e suportar o negócio baseados exclusivamente em vendas de serviços como suporte e educação. Outros modelos baseiam-se em dual licencing e outros em vendas indiretas, como o modelo freemium, que cede algo em troca de vendas de outros produtos como propaganda. No fim do dia, não existe almoço grátis.

A conclusão? Open Source chegou para ficar. Faz parte da indústria de software e está permeado por todas as empresas. Muitos dos negócios inovadores da Internet são baseados em Open Source, como Google e Facebook. Assim, não existe mais espaço para guerras ideológicas, mas para definirmos cenários onde os modelos Open Source e comerciais convivam em sinergia.

por Cezar Taurion

* fonte: iMasters