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érgio Amadeu da Silveira atualmente coordena a ONG Rede Livre de Compartilhamento da Cultura Digital, que forma e capacita jovens para darem suporte aos cidadãos que queiram usar software livre ou de código aberto. Nesta entrevista ele explica que o usuário residencial não costuma usar software livre, nem pagar pela licença do software proprietário. O usuário residencial costuma, isso sim, usar uma cópia pirata do software proprietário –
mas mesmo assim fica tecnicamente dependente da multinacional proprietária. Também nega Sérgio Amadeu que o domínio do software livre capacite menos para empregos do que o do software proprietário. Doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo, Amadeu implantou e coordenou o Governo Eletrônico da Prefeitura Municipal de São Paulo, de 2001 até janeiro de 2003, período em que formulou e executou o plano de inclusão digital por meio de telecentros nas áreas mais carentes do município. Durante o governo Lula, foi diretor-presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) do início de 2003 até agosto de 2005, além de coordenador do Comitê Técnico de Implementação de Software Livre no governo federal. É professor do curso de pós-graduação na Faculdade Cásper Líbero.
Qual tem sido seu principal projeto atualmente?
O projeto em que nós, da Rede Livre, estamos mais empenhados agora é formar um conjunto de jovens para dar suporte em software livre para cidadãos, usuários que a gente chama de residenciais, com objetivo de disseminar o uso de softwares livres pelas pessoas no seu dia-a-dia, porque a maior parte dos usuários residenciais é atendida pela chamada rede “ pirata ”. Quando surge algum problema no computador, eles chamam um técnico para consertar a máquina, configurar o computador e, ao mesmo tempo, instalar um conjunto de softwares “ piratas ” – não autorizados –, e essa pirataria, por incrível que pareça, é extremamente funcional para a manutenção do software proprietário. Ao usar um software não autorizado, de que você não tem licença para utilizar, está na verdade continuando a usar um software do monopólio de sistemas operacionais. Você continua a ser uma pessoa que usa aqueles formatos proprietários de arquivo, dentro do chamado ecossistema do software proprietário. A pirataria é extremamente funcional em manter uma base de usuários.
As empresas vêm exigindo cada vez mais conhecimentos de softwares específicos, na maioria das vezes proprietários. Em geral, o próprio cara que está fazendo a entrevista com o candidato ao emprego não sabe exatamente que existem alternativas. Em vez de falar editor de texto, ele fala o nome do produto da Microsoft. Se você aprendeu a usar o Open Office – o conjunto de softwares livres que a gente tem para editor de texto, planilha de cálculo e fazer apresentações –, tem muito mais facilidade de usar não só aquele software, mas também os softwares proprietários. Porque em geral as pessoas que aprendem informática a partir de soluções livres costumam aprender dentro de uma diversidade de opções ; enquanto as que lidam com as soluções proprietárias aprendem as funcionalidades de um determinado software e não são adestradas para manejar outros softwares.
Como isso se dá na prática?
Quando eu estava em São Paulo, na gestão da Marta Suplicy, havia uma idéia segundo a qual os chamados governos eletrônicos, os que colocam serviços, informações na Internet – on-line – para que possam ser na verdade úteis para o conjunto da sociedade, têm que chegar aos estratos mais pobres, porque senão quem é da elite e tem computador em casa é melhor atendido do que quem mais precisa e está na periferia. Só que na periferia não tinha computadores, as pessoas não têm renda para manter uma conexão. Nós montamos uma rede de telecentros na periferia, onde as pessoas tinham acesso gratuito à Internet. Elas aprendiam em cima de soluções livres GNU /Linux, aprendiam Open Office, navegador Mozilla, e tivemos um sucesso tremendo. Muitos jovens aprenderam a usar esses softwares livres nos telecentros – exatamente por esse software ser livre e vir com o código-fonte – e alguns deles, que tinham talento, passaram a colaborar com o desenvolvimento desses softwares e deixaram a condição de usuários para entrar na de programador.
O software livre seria então uma questão filosófica e até libertária?
Sem dúvida. O bloqueio do conhecimento interessa a poucos, que querem manter os fluxos de riqueza. A idéia de que o conhecimento é livre é a base do software livre. O modelo usado para fazer o software livre passou a ser usado para fazer uma enciclopédia, a Wikipedia, que é hoje certamente a maior do mundo e se inspirou na idéia de compartilhamento de códigos do software livre. E não é um movimento só técnico. É social, cultural, e coloca a idéia de que o conhecimento tem que ser livre. O problema é que, numa sociedade onde os bens imateriais, os bens simbólicos, as informações adquirem importância econômica gigantesca, nunca foi tão fácil compartilhar conhecimento. E nunca foi tão difícil superar as barreiras impostas pelos grupos econômicos que querem manter o mundo na divisão obtida na velha economia industrial. Pretende-se impedir que as pessoas, que os povos se desenvolvam. A humanidade estava produzindo cada vez mais obras culturais e o número de obras que entra para bens públicos estava diminuindo, porque o que está acontecendo hoje é uma pressão enorme para endurecer a legislação, para estender os prazos da lei de copyright, tentar ampliar e patentear tudo o que for possível.
Qual foi a importância de implantar o software livre na prefeitura de São Paulo?
O software livre permite conhecer o que você está usando, reduzir custo, porque não se baseia no pagamento de licenças. As vantagens são totais. Qual era nossa dificuldade? Era montar uma equipe de suporte, porque seriam vários telecentros. Montamos, com um técnico que conhecia bem software livre, Linux principalmente, e ele passou a treinar as outras pessoas e também chamamos pessoas que sabiam. O custo de suporte acabou sendo muito pequeno, era uma equipe nossa, e o que deixamos de gastar com licenças foi uma coisa enorme. E chegamos a ter 500.000 usuários. Hoje, todo esse pessoal está contratado, trabalhando para grandes empresas. Porque tem uma demanda enorme para software livre. E a possibilidade de profissionalização é muito maior no software livre do que no mundo do software proprietário.
Bruno Terribas é estudante de jornalismo.
Fonte: Revista Caros Amigos
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