O Projeto de Lei do Senador Eduardo Azeredo e seus custos para o Brasil
Editoria: Legislativo
23/May/2007 - 15:50
Enviado por Redação PSL Brasil
O projeto de lei proposto pelo Senador Eduardo Azeredo (Substitutivo ao PLS 76/2000, PLS 137/2000 e PLC 98/20030) representa uma série de custos para a sociedade brasileira. São custos políticos, jurídicos, econômicos e tecnológicos.
Primeiramente, todo o esforço de debate público em torno do projeto de lei, que tem por objetivo regulamentar a internet em seu aspecto criminal, deveria se voltar para uma efetiva regulamentação da internet em seu aspecto civil.
Depois de quase 15 anos de acesso público à internet no país, o Brasil ainda não definiu qual é o marco regulatório civil da rede no país. Esse marco regulatório é fundamental para inovação, e foi o primeiro passo definido pelos países desenvolvidos. A definição do marco regulatório também é fundamental para a definição dos aspectos criminais da rede. Privilegiar a regulamentação criminal da internet antes de sua regulamentação civil tem como conseqüência o aumento de custos públicos e privados, o desincentivo à inovação e, sobretudo, a ineficácia.
Nesse sentido, é preciso primeiro que se aprenda com a regulamentação civil da rede, única forma de lidar adequadamente com sua complexidade técnicas. Somente então é possível partir para a proposição de medidas criminais, que com base na experiência da regulamentação civil, possam assim alcançar efetividade, sem com isso onerar a sociedade como um todo.
O caminho natural para se regulamentar a rede, seguido pela maioria dos países desenvolvidos, é primeiramente estabelecer o marco regulatório civil, que define claramente as regras de responsabilidade com relação a usuários, empresas e demais instituições acessando a rede e somente então definir a regulamentação criminal da rede.
A razão para isso é a questão da inovação. Para inovar, um país precisa ter regras civis claras, que permitam segurança e previsibilidade nas iniciativas feitas na rede (como investimentos, empresas, arquivos, bancos de dados, serviços etc.). As regras penais devem ser criadas a partir da experiência das regras civis. O projeto do Senador Azeredo propõe que o primeiro marco regulatório da internet brasileira seja criminal. Isso de cara eleva o custo de investimento no setor e desestimula a criação de iniciativas privadas, públicas e empresariais na área. Isso acontece especialmente pela abrangência das incertezas geradas pelo projeto, que usa conceitos vagos e amplos ("dados", "sistemas de comunicação" dentre outros) para regular um assunto que demanda uma regulamentação técnica prévia, que ainda não foi feita no país.
Prova disso é que a Convenção de Cibercrimes, que é citada como inspiração para o projeto de lei, não foi assinada por NENHUM país latino-americano e nem pela MAIORIA ABSOLUTA dos países em desenvolvimento (conta-se nos dados os países pobres que assinaram a convenção). A razão para isso é justamente o apontado acima. Os países ricos, signatários da convenção, já fizeram seu dever de casa de regulamentar a Internet do ponto de vista civil e, somente depois disso, então estabeleceram os parâmetros criminais para a rede. O Brasil está seguindo a via inversa: está criando primeiro punições criminais, sem antes regulamentar tecnicamente e civilmente a internet.
Abaixo segue uma análise das principais propostas de criminalização do projeto de lei do Senador Eduardo Azeredo, detalhando suas conseqüências sociais:
a) O projeto, em seu artigo 183-A, equipara a "coisa" para efeitos penais o dado, informação ou unidade de informação em meio eletrônico. Essa equiparação gera efeitos imprevisíveis no ordenamento jurídico brasileiro. Isso porque a internet conta com as características de várias mídias, muitas das quais possuem características de comunicações efêmeras ou transitórias. Nesse sentido, uma "conversa telefônica" mantida pela internet através de um programa como o Skype estaria sendo equiparado a "coisa" para fins penais. O mesmo é válido para conversas por texto, vídeos, fluxos de webcams, e-mails, bem como qualquer outra forma de comunicação. Essa equiparação a "coisa" sujeita os provedores a medidas judiciais que levem à possibilidade reconstituição dessas informações transitórias, que podem então ser "apreendidas" e utilizadas em juízo. Isso desrespeita expectativas e direitos básicos com relação à natureza dos dados eletrônicos.
Além disso, equiparar dado a coisa desrespeita a natureza econômica dos sistemas eletrônicos. Enquanto "coisas" são bens escassos, dados eletrônicos são bens "não-escassos". Uma "coisa", ao ser transferida para outra pessoa, deixa de ser daquela pessoa e passa a ser da outra. Já a natureza dos dados é fluida, ou seja, o seu envio e aproveitamento por uma pessoa não impede nem exclui sua utilização por outra. Utilizando o jargão econômico, dados são bens "não-competitivos" e "não-rivais". Regulamentá-los juridicamente como se fossem "coisas" vai contra a própria natureza dos mesmos e gera conseqüências imprevisíveis dentro do direito brasileiro.
b) Os artigos 339-A e 339-B do projeto criminalizam as atividades de "acessar rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização do legítimo titular, quando exigida" e de "obter dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado sem autorização do legítimo titutlar" com penas de reclusão e detenção de 2 a 4 anos, respectivamente.
Trata-se da criação de uma conduta criminal que abrange milhares de pessoas, consistindo em verdadeiro instrumento de "criminalização de massas". Inúmeras pessoas, do dia para a noite, tornar-se-iam criminosas em potencial caso o projeto do Senador Azeredo venha a ser aprovado.
Isso ocorre por que o texto abrange práticas de “acesso” relativas a dispositivos de consumo de massa, como computadores, iPods, aparelhos celulares, tocadores de DVD´s e até mesmo conversores de sinais da televisão digital. Isso gera incentivos para que diversos segmentos da indústria possam criminalizar seus consumidores, tal qual aconteceu nos Estados Unidos com a aprovação do DMCA (Digital Millennium Copyright Act em 1998). Aliás, passados quase dez anos da aprovação dessa legislação nos EUA, existe consenso de que a mesma, além de ineficaz, produziu danos graves para a sociedade e para o interesse público naquele país, a ponto de seus dispositivos estarem sendo flexibilizados a cada ano.
O projeto de lei do Senador Azeredo não só vai contra essa evidência empírica de modelo legislativo mal-sucedido nos Estados Unidos, como AMPLIA o escopo do modelo americano. Enquanto nos EUA criminalizou-se "quebrar ou contornar medidas de proteção tecnológica" empregados pela indústria para proteger bens regidos pelo direito autoral, o projeto do Senador Azeredo criminaliza o próprio "acesso". Esse modelo proposto pelo Senador leva a custos significativos tanto para usuários da internet, quanto para qualquer iniciativa pública ou privada na rede, inclusive iniciativas empresariais. Isso porque torna-se necessário verificar caso a caso quando, como e em que termos se dá a "autorização do legítimo titular" para que o acesso seja exercido.
Em síntese, cria-se um "império da autorização", agravando um problema notório, que é a dificuldade prática de se verificar quais são exatamente cada um dos seus respectivos termos e modalidades de acesso junto aos seus legítimos titulares. O projeto tem o efeito de agravar a burocratização, elevando ainda mais o já grave problema do custo de transação para o acesso à informação no país.
Por fim, é cada vez mais notório a criminalização e restrição do "acesso", tal como faz o projeto de lei em questão, contrariam interesses públicos e coletivos. Associações de defesa do consumidor de todo mundo, juntamnete com bibliotecários, universidades, empresas e instituições acadêmicas, dentre outras, têm se manifestado de forma consistente quanto ao aumento das barreiras e da burocratização do acesso. Exemplo disso é a bem-sucedida pressão dos consumidores exercida sobre a empresa Apple, que está progressivamente abandonando a utilização de medidas que dificultam o acesso a seus conteúdos (as chamadas "medidas de proteção tecnológica"). O mesmo ocorre com vários outros sites de distribuição de conteúdo.
A situação se agrava quando se tem em mente que a proposta de lei inclui os sinais transmitidos pela televisão digital no Brasil (o artigo 339 do projeto define expressamente que os "dispositivos de comunicação" abrangem também "os receptores e os conversores de sinais de rádio ou televisão digital" estão abrangidos por ele). É preciso considerar que as transmissões de tv digital serão feitas através de concessões públicas e utilizando um bem igualmente público, que é o espectro eletromagnético. Dessa forma, é inconstitucional criminalizar o "acesso a dispositivo de comunicação" como o conversor de tv digital "sem autorização do legítimo titular". A própria possibilidade de exigência dessa autorização, definida pelo artigo 339, viola o caráter público das transmissões da televisão digital.
c) No artigo 21 do projeto, são criadas diversas obrigações para os provedores de acesso à internet. Dentre elas, a obrigação de "manter em ambiente controlado e de segurança os dados de conexões realizadas por seus equipamentos", "pelo prazo de três anos". Tal obrigação obriga os provedores a criar instrumentos de monitoramento permanente sobre seus clientes. Conforme mencionado acima, esse monitoramente pode levar à vigilância sobre todas as atividades do usuário, o que está previsto no artigo IV do artigo 21. Tal artigo prevê que o provedor deve "preservar imediatamente, após a solicitação epxressa da autoridade judicial, no curso da investigação, os dados de conexões realizadas, os dados de identificação de usuário e as comunicações realizadas daquela investigação". Com isso, os provedores são obrigados a construir capacidade técnica para monitorar seus clientes. Conforme mencionado acima, esse monitoramente pode reconstituir comunicações efêmeras, como chamadas telefônicas pela rede, e-mails, mensagens eletrônicas instantâneas e quaisquer outros dados trafegados pelo usuário.
Isso não bastasse, o inciso V do artigo 21 obriga os provedores a "informar, de maneira sigilosa, à autoridade policial competente denúncia da qual tenha tomado conhecimento e que contenha indícios de conduta delituosa na rede de computadores sob sua responsabilidade". Tal dispositivo cria um sistema de "vigilantes" da internet. O provedor passa a se tornar um agente de vigilância, que sempre que provocado por uma "denúncia", deve informar de forma sigilosa à autoridade policial. Tal dispositivo viola a garantia de ampla defesa e e o devido processo legal, configurando-se como inconstitucional. O usuário que está sob vigilância tem amplo direito de ser informado sobre tal vigilância, o que deriva diretamente de seus direitos constitucionais. Esse sistema de incentivo à "vigilância privada", em conjunto com um regime de sigilo e segredo é incompatível com o estado democrático de direito.
Por fim, o incentivo à "privatização da vigilância" é reforçado pelo artigo 22 do projeot de lei, que determina que "não constitui violação do dever de segilo a comunicação, às autoridades competentes, de prática de ilícitos penais, abrangendo o fornecimento de informações de acesso, hospedagem e dados de identificação de usuário, quando constatada qualquer conduta crimininosa". Na prática, tal artigo simplesmente elimina o sigilo e a inviolabilidade que resguardam as comunicações no Brasil. Um dispositivo como esse permitiria, por exemplo, que as comunicações eletrônicas realizadas por adolescentes em todo o paíse fossem devassadas, na medida em que se constatasse que esses adolescentes estariam trocando música pela internet (atividade que pode configurar o ilícito penal previsto no código 184 do código penal, que criminaliza a violação de direito autoral). Essa e outras práticas são objeto de intensos debates legislativos em todo mundo, muitos deles buscando a reforma da lei. Enquanto essa reforma não acontece, não é possível ignorar o fato de que efetivamente centenas de milhares de pessoas poderão ter suas comunicações eletrônicas devassadas em razão do projeto de lei do Senador Azeredo.
d) Dessa forma, o projeto em questão afeta a vida da maioria dos brasileiros, sejam aqueles que possuem telefones celulares, sejam aqueles que acessam a internet através de computadores, ou aqueles que serão futuros espectadores da televisão digital. Por essa razão, é inconcebível que um projeto como esse não seja debatido de forma mais ampla com a sociedade civil e com os representantes dos interesses diretamente afetados. O rol destes é grande e inclui: provedores de acesso, empresas de tecnologia de modo geral, consumidores, universidades, organizações não governamentais, empresas de telecomunicação, apenas para elencar alguns.
Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas
terça-feira 22 de maio de 2007
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Nota da Redação do PSL-Brasil
A marca acima foi criada por Valessio Brito (http://valessiobrito.info/) para a Campanha do Portal do PSL-Brasil contra o Projeto do Senador Azeredo. Ajude a divulgar.
Fonte: FGV
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